quinta-feira, 24 de setembro de 2009

SOBRE AUTORIDADE E BOBOS DA CORTE


Uma reportagem da edição eletrônica do Diário de Canoas desta semana mostrou que um aluno de uma escola da cidade de Viamão, no Rio Grande do Sul, foi obrigado a limpar a pichação que fez na parede da sala de aula da escola onde estuda. De acordo com a reportagem, a escola havia acabado de ser pintada em um mutirão de pais, professores e alunos no feriado de 7 de Setembro. Foram necessários 8 meses para arrecadar cerca de mil e oitocentos reais para comprar todo o material necessário, além de muitas horas de trabalho voluntário.

De acordo com a professora, em entrevista a uma rede de televisão, o aluno teria afirmado que seria o primeiro a sujar as paredes da escola. Dito e feito. Um tempo depois apareceram nas paredes da escola marcas de pichação com o apelido do tal aluno. O garoto pichador levou uma bronca da professora e vice-diretora da escola, e as imagens da advertência foram parar na internet. Nas imagens o garoto de 14 anos aparece cobrindo as marcas nas paredes, e a professora dizendo que ele parecia um “bobo da corte fazendo palhaçada, estragando as coisas dos outros”.

A isso seguiu-se uma avalanche de opiniões sobre a atitude da professora. Para a mãe do estudante, o filho foi humilhado. Para alguns especialistas, a atitude da educadora expôs o menino a condição vexatória, contrariando o Estatuto que defende os direitos da Criança e do Adolescente, o ECA. Há outros que defendem a atitude da professora, e ela, por sua vez, reconhece que exagerou, mas defende-se argumentando que ficou indignada com desrespeito do garoto.

Eu também quero dar também a minha opinião. Se tivesse que escolher um lado para defender, certamente eu ficaria do lado da professora. Só quem milita na educação sabe a dificuldade que é manter uma escola limpa e organizada. Infelizmente, na maioria das vezes, o vandalismo que depreda e devasta as instituições de ensino públicas no Brasil é provocado pelos próprios alunos. A precarização do ensino por parte do Estado impede que as escolas recebam melhorias estruturais, acelerando a degradação dos espaços físicos agravando severamente a deficiência da educação pública. Resta aos educadores unir-se às comunidades locais em ações voluntárias para restaurar um pouco da dignidade das instituições públicas de ensino, preenchendo um vácuo deixado pela leniência e ineficiência do Estado. O que a professora de Viamão fez junto com a comunidade é digno de elogios diante da inércia do poder público. Gastar horas de serviço em pleno feriado para pintar a escola é, no mínimo, respeitável.

Respeito foi exatamente o que faltou ao aluno repreendido. Ao ameaçar que seria o primeiro a pichar a escola ele deixou claro seu completo descaso com o esforço alheio. E, ao consumar a ameaça, riscando as paredes, apostou suas fichas na impunidade, tão comum em casos de delinqüência juvenil no país.

É possível, sim, admitir certo exagero no ato da professora. Mas ele é totalmente justificável, em minha opinião, levando-se em consideração o desrespeito do aluno. A juventude do nosso tempo tem sido criada para não obedecer às regras, não respeitar limites e nem assumir a responsabilidade por seus atos. A cada dia surgem casos de adolescentes e jovens agredindo pessoas, depredando patrimônios públicos e privados ou, em casos mais extremos, roubando, matando e cometendo outros crimes, escondendo-se atrás de uma inexistente inocência, sendo defendidos e amparados por todos os recursos disponíveis, que terminam por legalizar a irresponsabilidade e autorizar a desordem. Não sou contra os mecanismos que defendam os direitos de crianças, adolescentes ou qualquer outro segmento da sociedade. Mas acredito que está na hora de falarmos também em deveres. Crianças e adolescentes têm direitos, sim, mas também têm deveres. Se eles não forem ensinados desde já que devem respeitar limites e agirem com responsabilidade, quando aprenderão? Se uma escola não pode ensinar regras elementares de responsabilidade e bons modos aos alunos, quem ensinará?

É certo que isso deveria ter sido ensinado pelos pais do garoto, mas o que se viu na reportagem foi uma mãe disposta a ir às últimas instâncias para defender o direito do filho e, em nenhum momento assegurando qualquer tipo de correção ao ato de vandalismo gratuito. As famílias têm perdido a condição de primeira escola do cidadão. Os pais têm deixado de ser educadores para se transformarem em defensores das traquinagens dos filhos. E a moçada, consciente da impunidade, revira a sociedade de cabeça para baixo sem a menor cerimônia, e sai rindo de deboche, porque desconhece as noções elementares de respeito e autoridade.

A escritora Lya Luft escreveu um excelente artigo na revista Veja desta semana (“Educação e autoridade”), no qual afirma que “o tema autoridade começa a ser um verdadeiro tabu entre nós”. Lya defende ainda que a educação e a noção de autoridade começam em casa. Permitam-me citar algumas partes do texto de Lya: “Na década de 60 chegaram ao Brasil algumas teorias nem sempre bem entendidas e bem aplicadas. O ‘É proibido proibir’, junto com uma espécie de vale-tudo. Alguns psicólogos e educadores disseram que não devíamos censurar nem limitar nossas crianças: elas ficariam traumatizadas (...) Resultado, crianças e adolescentes insuportáveis, pais confusos e professores atônitos: como controlar a má-criação dos que chegam às escolas, se uma censura séria por uma atitude grave pode provocar indignação e até processo por parte dos pais? (...) Meus anos de vivência mostraram que a meninada, que faz na escola ou nas ruas e festas uma baderna que ultrapassa o divertimento natural ao seu desenvolvimento mental e emocional, geralmente vem de casas onde tudo vale. Onde os filhos mandam e os pais se encolhem (...)”.

Melhor para aquele garoto foi a professora tê-lo feito limpar a sujeira que fez, fazendo-o assumir a responsabilidade por seu erro; e teria sido melhor ainda se sua mãe viesse a público anunciar um corretivo exemplar para a grosseria do filho. Melhor para a sociedade seria que os pais assumissem, com urgência, seu papel de educadores. Ou então gente como aquele garoto de Viamão se tornará mito, ícone para a juventude, exemplo a ser seguido; e nós, sim, é que mereceremos o título de “bobos da corte”.

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