Muammar Kadafi, um senhor de quase 70 anos, era um coronel que passou 42 anos no poder na Líbia, um país com pouco mais de 6 milhões de habitantes, que fica ao norte da África. Sua ascensão à condição de chefe da nação Líbia aconteceu em 1969, quando tinha 27 anos, e o coronel se tornou o líder com maior tempo no poder em todo o chamado mundo árabe.
No início deste ano estourou na Líbia uma onda de protestos contra o regime de Muammar Kadafi que obrigou o ditador a se afastar do poder e refugiar-se após os rebeldes ocuparem a capital do país. Daí em diante o que se seguiu foi uma caçada insana a Muammar Kadafi e a seus parentes e aliados, que culminou com a sua morte na data de 20 de outubro de 2011.
É certo que Muammar Kadafi não era nenhum santo. Aliás, que ditador poderia ser considerado um santo? Todos são iguais, seja na vaidade, no orgulho, na prepotência ou, na maioria das vezes, na crueldade. Ditadores são, em geral, responsáveis por atrocidades inimagináveis. Kadafi, por exemplo, assumiu a autoria de um atentado contra um avião da companhia aérea PanAm em 1988, que matou 270 pessoas. Foi também acusado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade, tortura e crueldade. A Anistia Internacional também acusou Kadafi por violações contra os direitos humanos, torturas, desaparecimentos e assassinatos de rebeldes.
O ex-presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan chamava Muammar Kadafi de “aquele cachorro louco do Oriente Médio”. Como tal, na concepção de Reagan e de muitos outros, como, por exemplo, as cinco enfermeiras búlgaras que passaram oito anos presas na Líbia, Kadafi teve o que mereceu. Uma das cinco enfermeiras disse, ao saber da morte do ex-ditador: “A notícia me deixou muito feliz. É uma punição. Um cachorro como ele merecia morrer como um cachorro".
As cenas da prisão e execução de Muammar Kadafi chocaram alguns e alegraram outros tantos pelo mundo a fora. Mas o mais impressionante que eu vi naquelas cenas foi a barbárie de que os homens são capazes quando deixados livres para exercer o que chamam de justiça própria. Assim como ocorreu com o anúncio da morte de Saddan Russein e Osama Bin Laden, o desejo de vingança confundiu-se com o anseio de justiça e um erro foi cometido para justificar outros erros.
O dicionário Aurélio define Justiça como: “Conformidade com o direito; a virtude de dar a cada um aquilo que é seu; a faculdade de julgar segundo o direito e melhor consciência”. Já a definição de vingança é: “Ato ou efeito de vingar (-se); desforço; desforra; vindita; punição, castigo”. São duas coisas bem diferentes, como se pode ver.
A justiça tem um valor universal. Ela é regida por alicerces, etiquetas e protocolos que, necessariamente, estão ligados a direitos universais. Quando a justiça é acionada, isto significa que um direito universal foi supostamente violado. Para garantir a recuperação do direito violado, a justiça precisa resguardar e manter os demais direitos, ainda que neste processo ela precise se manifestar em forma de punição. É nesse equilíbrio que a justiça se fundamenta.
Já a vingança não se fundamenta em valores universais nem tem um padrão objetivo como referência. A vingança é subjetiva, é abstrata; é um desejo, e para os desejos não há padrões nem ética que possam regê-los. O fundamento da vingança é a vontade pessoal e seu objetivo final é satisfação individual.
Justiça é, antes de tudo, fazer o que é correto, seguindo um padrão externo e absoluto. Vingança é fazer o que se acha correto, de acordo com um padrão pessoal, subjetivo e aleatório. Fazer justiça é competência daqueles que a sociedade qualificou para tal. Vingança é fazer “justiça com as próprias mãos” e, como tal, é uma transgressão, é uma usurpação de poder, é uma perversão. Nada tem a ver com o “olho por olho, dente por dente” visto na Bíblia.
Justiça é, antes de tudo, fazer o que é correto, seguindo um padrão externo e absoluto. Vingança é fazer o que se acha correto, de acordo com um padrão pessoal, subjetivo e aleatório. Fazer justiça é competência daqueles que a sociedade qualificou para tal. Vingança é fazer “justiça com as próprias mãos” e, como tal, é uma transgressão, é uma usurpação de poder, é uma perversão. Nada tem a ver com o “olho por olho, dente por dente” visto na Bíblia.
O “olho por olho, dente por dente” nunca foi uma autorização para que qualquer pessoa, instituição ou nação indiscriminadamente se sentisse no direito de resolver à própria maneira as pendências com os seus contrários. Não era uma autorização à barbárie nem uma legitimação do direito de se fazer “justiça com as próprias mãos”, mas uma solene regulamentação, baseada em direitos e deveres absolutos, compartilhados pela sociedade israelita da antiga aliança, que somente poderia ser aplicada após um rito legítimo de apreciação e julgamento. Mesmo quando o povo de Deus se levantava contra seus inimigos e os punia, a mão que os feria era a mão da justiça divina, não o desejo próprio da nação de Israel.
Muammar Kadafi não era um exemplo de bondade e misericórdia para com seus desafetos, é bem verdade. Sua deposição da condição de chefe de Estado foi um marco e sua prisão era necessária por causa dos crimes que cometeu. Mas creio que nada justifica a selvageria que culminou com sua morte. A máxima do “com efeito, um erro não justifica o outro” se aplica perfeitamente aqui. Ainda que coroados pela sensação de dever cumprido e legitimados pelo alívio nacional e pela conivência internacional, os rebeldes líbios não fizeram justiça. Fizeram vingança. Os crimes de Kadafi não foram punidos, pois ele não foi corretamente julgado e sentenciado por um tribunal legítimo. E as nações que consentiram com a forma brutal como ele foi morto são cúmplices com esse descaso para com a ética e os direitos universais, tanto quanto os aliados de Kadafi o eram com suas loucuras e atrocidades. Ao fazer justiça com as próprias mãos, o povo líbio não puniu um criminoso, mas suscitou um mártir. O que era ruim pode ter ficado pior.
Alguém disse que “A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem”. Fazer a diferenciação entre justiça e vingança não é apenas tarefa do dicionário. É tarefa da sociedade civilizada, a fim de que o caos não triunfe, para que os direitos universais não sejam vilipendiados, e o mundo não se torne uma selva.
Agnaldo Silva Mariano
Agnaldo Silva Mariano
2 comentários:
Olá tenha um fim de semana muito abençoado, Deus continue abençoando seu caminho. Abraços e fique na paz do Senhor www.mensagensedificantes.com
legal gostei ta massa okk!!! muito bom viu
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