domingo, 22 de novembro de 2009

AS UTOPIAS PROTESTANTES E O SEU MST.

A sigla MST é muito conhecida dos brasileiros. Ela serve para designar o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Serra, ou, simplesmente, Movimento dos Sem Terra. Criado há 25 anos, o MST espalha terror pelo país afora sob a égide da luta pela reforma agrária. A verdade é que a sigla não só consagrou um movimento, como também institucionalizou a revolta armada em nome de mais uma utopia nacionalista.

As utopias estão presentes no nosso quotidiano. É por causa delas que surgem tantos movimentos; e é ainda, por causa delas, que tantos desses movimentos sobrevivem, ainda que em estado vegetativo, prolongando o sofrimento de quem neles acredita.

O protestantismo também tem as suas utopias, por isso ele abriga tantos movimentos estranhos e insólitos. Ninguém há que seja capaz de negar a presença dessas utopias e os seus efeitos na vida e na prática protestantes. É até possível dizer que, quem olha a igreja protestante, estando de fora dela, a vê a partir dessas utopias e, às vezes, a confunde com elas. Talvez por isso muitos confundam o ser protestante com o ser pentecostal, por exemplo, como se fossem, necessariamente, a mesma coisa. O pentecostalismo, na verdade, é só mais um tipo de utopia protestante, um movimento que sobrevive dentro do protestantismo, mas não o define, nem o identifica plenamente.

Há muitos outros movimentos dentro do protestantismo brasileiro, mas quero destacar neste artigo apenas um, que é, na realidade, um movimento crescente que, firmado na sua utopia própria, ganha força e gera preocupações. Esse movimento é o nosso MST, o que chamo de Movimento dos Sem Teologia.

O MST protestante é guiado pela mesma utopia que impulsionou o movimento pietista que se ergueu dentro do luteranismo no final do século XVII. O pietismo, cujo principal representante foi Phillipp Jakob Spener, defendia um tipo de renovação da piedade com base em um retorno subjetivo e individual ao estudo da Bíblia e à oração. Spener defendia um tipo de cristianismo baseado na experiência subjetiva, onde a piedade prática substituísse a ortodoxia e a inquirição teológica. A utopia pietista foi apresentada na principal obra de Spener, publicada em 1675, intitulada Pia Desideria. Entre as principais propostas para restaurar a vida da igreja, estavam: o conhecimento do Cristianismo deve ser alcançado através da prática; ao invés de ataques aos incrédulos e heterodoxos dar um tratamento simpático e gentil a eles; e uma reorganização da formação teológica das universidades, dando maior destaque à vida devocional.

A utopia pietista é o embrião do movimento pentecostal e neo-pentecostal. E é esta utopia que orienta o MST protestante. É a partir dessa utopia que muitos têm defendido na igreja protestante que não precisamos de teologia; que precisamos de experiências pessoais, não de investigações teológicas, afinal, acreditam, teologia e piedade se anulam. Para o MST protestante, teólogos são cientistas frios e indiferentes, e a intelectualidade é um empecilho à fé. Assim, antiintelectualidade é visto como sinônimo de espiritualidade, e as experiências subjetivas, são superiores a qualquer conceito teológico. De acordo com a cartilha do MST protestante, não devemos perder tempo com debates teológicos enquanto “vidas estão indo para o inferno”. O MST protestante é como o “grupo de Cristo”, os espirituais de Corinto.

O Movimento dos Sem Teologia caminha em sintonia com a utopia pietista ainda no que se refere ao tratamento com os incrédulos. Ao invés de questionar e debater temas divergentes, o MST protestante se aproxima da heterodoxia, convergindo em torno de supostas coincidências. Assim, as fronteiras teológicas são substituídas pela linha imaginária do amor acima das diferenças. Como conseqüência disso, o protestantismo perde aos poucos uma das características que lhe são mais caras e que lhe denominam: a arte do protesto, a graça do inconformismo.

O MST protestante condena a teologia como se não defendesse a sua própria teologia. É, simplesmente, impossível viver sem teologia. Há teologia nas nossas pregações, nos nossos cânticos, e até mesmo nas nossas orações, porque teologia nada mais é do que a maneira como interpretamos a revelação divina e expressamos essa interpretação.
Teologia é a busca pelo conhecimento de Deus, baseado na sua revelação pessoal. A Teologia não é a revelação divina, mas “na genuína teologia encontramos a revelação de Deus e a sua interpretação pelo ser humano”, como bem escreveu o Rev. Herminsten Maia Pereira Costa no texto “Ortodoxia Protestante: um desafio à Teologia e à Piedade”. Na teologia o homem busca, através do Espírito, a compreensão da revelação. O Rev. Herminsten ainda diz que “a teologia é uma reflexão interpretativa e sistematizada da Palavra de Deus; a sua fidedignidade está sempre no mesmo nível da sua fidedignidade à Escritura”. Por isso é possível associar teologia com piedade, afinal, não haverá verdadeira teologia sem apego e reverência à revelação divina.
O MST protestante espalha o terror no seio da Igreja alardeando um tipo de piedade sem reflexão e avessa aos debates, sem considerar que os debates teológicos, muitas vezes, nos livram dos erros e nos fazem enxergar com mais clareza a verdade. Foram os debates teológicos que abriram os olhos da igreja em épocas passadas e a fizeram redescobrir os tesouros da fé escondidos sob os escombros de uma religiosidade meramente experiencial. Não há como negar que grandes debates teológicos do passado fizeram a Igreja redescobrir as Escrituras e voltar-se à fé apostólica. A reflexão teológica, longe de atrofiar a Igreja, a fortalece no sentido de revigorar as suas convicções e reforçar a sua crença.
O protestantismo tem sido grandemente influenciado pelo Movimento dos Sem Teologia. A utopia que impulsiona esse movimento tem trazido à Igreja grandes prejuízos, e tem minado a resistência da Igreja contra inverdades que rondam seus muros. A ausência de preocupação com a teologia faz da Igreja um porto agradável para todo tipo de utopias que, acolhidas por uma estranha piedade, ancoram suas teses e desembarcam suas sutilezas, apresentando um tipo de fé avessa aos valores historicamente defendidos pela convicção protestante.
É necessário que a Igreja do nosso tempo recorde seu passado e reaprenda a arte do saber teológico. A teologia ancorada na Palavra de Deus, longe de perverter e esfriar a fé, fortalece as convicções dos crentes e lhes torna ainda mais reverentes e piedosos. Afinal, se a verdadeira Teologia é conhecimento da revelação de Deus, não haverá como essa teologia produzir frieza e indiferença. Ao contrário, produzirá uma fé firme e consciente, e uma Igreja madura e capaz de resistir às utopias.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

SOCIEDADES INTERNAS NA IPB: É MOMENTO DE REFLETIR.

As Sociedades Internas sempre foram a cara da IPB. Ao longo da história, elas identificaram e marcaram a identidade presbiteriana e diferenciaram a nossa denominação das demais. As Sociedades Internas sempre expressaram a força da organização presbiteriana e reforçaram a federalidade da nossa denominação.

Muitas igrejas Presbiterianas nasceram através do protagonismo das Sociedades Internas. Muitos outros grandes projetos evangelísticos, missionários e sociais surgiram a partir do dinamismo de jovens, homens e mulheres organizados nas Sociedades Internas, e comprometidos com o evangelho e a denominação. Além disto, muitos dos nossos líderes - pastores, presbíteros e diáconos - descobriram sua vocação em reuniões e Congressos de Sociedades Internas. As Federações e Confederações reuniram centenas de jovens em Congressos por todo o país. E nas Igrejas locais, os Conjuntos musicais formados por crianças e jovens abrilhantaram os cultos com cânticos singelos e vozes bem afinadas. Mas hoje a realidade é bem diferente na maioria das Igrejas Presbiterianas por todo o país.

A situação enfrentada pelas Sociedades Internas na IPB é deveras preocupante. Há vozes na denominação que defendem a extinção das Sociedades Internas e a substituição por outros modelos. Há até Igrejas que já implantaram outros sistemas em detrimento das Sociedades. Há outras igrejas em que as sociedades acabaram e nenhum modelo novo foi implantado. E há muitas igrejas onde as Sociedades Internas caminham em petição de miséria. O que fazer? Há solução para as Sociedades Internas na Igreja Presbiteriana? Elas deveriam ser extintas? Eis alguns questionamentos que merecem respostas.

Em primeiro lugar, quero deixar a minha opinião de que não creio que as Sociedades Internas devam ser extintas. Elas são muito úteis às igrejas locais e à IPB. O modelo é excelente. A grande questão é que o modelo precisa ser revitalizado, e o objetivo original precisa ser resgatado. A história mostra que as Sociedades Internas nasceram do desejo de crentes em diversas regiões do país de se organizarem para trabalharem na obra de Deus. Assim nasceu a SAF, por exemplo: “As senhoras, membros da Igreja Presbiteriana de Pernambuco, reuniram-se em uma Associação Evangélica, com o fim de estudos bíblicos e arrecadação de fundos para auxílio aos necessitados e à Igreja e, no dia 11 de novembro de 1884, houve a reunião de instalação desta Associação, tendo sido eleita Presidente a Sra. Carolina Smith. Temos aí a primeira SAF. Após esta muitas outras foram sendo organizadas e hoje temos Sociedades Auxiliadoras Femininas em todos os rincões de nosso país”.

Uma história parecida pode ser contada no surgimento da UMP: “Em 1936 os jovens das centenas de igrejas presbiterianas do Brasil já estavam se organizando sob vários nomes, como por exemplo: Sociedade de Jovens, Sociedade Heróis da Fé, Sociedade Esforço Cristão, etc. O Supremo Concílio então recomendou que os pastores dessem todo o apoio para que os jovens se organizassem em cada igreja sob o nome de União da Mocidade Presbiteriana (UMP)”.

A UPA nasceu em 1967, a partir da visão de uma irmã, membro da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, que “sempre chegando mais cedo aos cultos, percebeu a necessidade de se trabalhar com o grande número de adolescentes que também chegavam mais cedo e que não possuíam nenhuma atividade direcionada. Preocupada com essa questão, Dona Dorcas solicitou o uso de um dos salões da igreja, para se reunir com os adolescentes”. A preocupação da irmã era ensinar aos adolescentes oportunidades para evangelismo pessoal, gincanas bíblicas, louvor, teatro entre outras atividades.

Percebe-se que as Sociedades Internas nasceram a partir de inquietações de membros de igrejas, inflamados pelo desejo de contribuir com a obra de Deus nas igrejas locais. As Sociedades Internas nasceram não como um fim em si mesmas, mas com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento das igrejas locais. Isto fica evidente quando o Manuel Unificado das Sociedades Internas define os objetivos específicos dessas Sociedades: a) cooperar com a Igreja, como parte integrante da mesma, nos seus objetivos de servir a Deus e ao próximo em todas as suas atividades, promovendo a plena integração de seus membros; b) incentivar o cultivo sadio de atividades espirituais, evangelísticas, missionárias, culturais, artísticas, sociais e desportivas; c) promover uma salutar convivência com os outros Departamentos e Organizações da IPB e também com denominações evangélicas fraternas.

O que percebemos em nossos dias é um esfriamento preocupante de muitos membros das igrejas locais em relação às Sociedades Internas, e um desinteresse abismal de muitos líderes e Concílios em discutir sobre esse assunto. Estamos assistindo passivos à desconstrução do modelo de Sociedades Internas sem oferecer qualquer resistência no sentido de fortalecer ou revitalizar o sistema. A engrenagem formada pelas Sociedades Internas está parando, e junto com ela, a IPB. É necessário criar mecanismos que fortaleçam as Sociedades Internas na nossa Igreja. É urgente que a IPB faça uma reflexão sobre esse assunto e planeje ações intensas a fim de reerguermos as Sociedades Internas. Sou contra a extinção delas, mas não creio que o modelo, do jeito que está, dure muito tempo. É preciso pensar e agir rápido.

As Sociedades Internas são importantes instrumentos para a formação de lideranças nas Igrejas locais. É nas reuniões e Congressos que muitos jovens aprendem a liderar. Nas Sociedades Internas podemos ensinar nossos jovens não apenas como presidir reuniões, mas como liderar equipes. Crianças, adolescentes e jovens treinados pelas Sociedades Internas terão condições de ser os futuros líderes das igrejas locais. Muitas Igrejas Presbiterianas pelo Brasil não têm homens para assumirem o presbiterato e o diaconato. Isto é resultado de falta de preparo de novas lideranças nas Sociedades Internas.

As Sociedades Internas são importantes instrumentos para evangelização. Através das Sociedades Internas a IPB pode alcançar estrategicamente diversos segmentos da sociedade. Crianças evangelizando crianças, adolescentes evangelizando adolescentes, e o mesmo acontecendo com jovens, homens e mulheres. É necessário haver organização e equipamento para tais ações, por isso os Conselhos precisam trabalhar com planejamento.

As Sociedades Internas são importantes ferramentas para desenvolvimento de dons e ministérios. Não há necessidade de substituir as Sociedades Internas pelo modelo de ministérios, pois cada crente pode, na Sociedade Interna correspondente à sua faixa etária, desenvolver o seu dom. É necessário haver mecanismos para se descobrir esses dons e oportunidades para que sejam desenvolvidos.

Creio que a discussão em torno das Sociedades Internas é muito mais abrangente. Por isso acredito que a IPB não pode continuar passiva em relação ao tema. Precisamos de um olhar consciente na nossa realidade e, ao mesmo tempo, uma ação estratégica a fim de se descobrir fórmulas para se revitalizar as Sociedades Internas. Que tenhamos coragem de começar a agir. Acredito que será muito difícil manter uma estrutura gigantesca como a IPB, se continuarmos perdendo a força das Sociedades Internas. “Mãos ao trabalho, todos!”

terça-feira, 10 de novembro de 2009

“EM TUDO” E NÃO “POR TUDO”: O SEGREDO DA GRATIDÃO.


Estes últimos dias não têm sido muito fáceis. Nada tão cruel ou desesperador, mas algumas lágrimas já escorreram dos meus olhos. São momentos como aqueles que todos passam de vez em quando.

Em momentos assim, infelizmente, o pior que há em nossa natureza é exposto. A gente tenta domar certos sentimentos, mas eles reagem com força e mostram suas garras. Um desses sentimentos que experimentei foi a murmuração. E que sentimento ruim é este!

A murmuração é um tipo de pichação na alma. Ela suja, mancha, polui os sentimentos mais nobres. A murmuração revela que há segredos obscuros na nossa intimidade que só são descobertos quando nos sentimos ameaçados, desprotegidos e carentes.

Foi num desses momentos que li um capítulo do livro Cristianismo Radical, de Jim Burns, cujo título é “Gratidão”. Ali Jim Burns expõe sua dificuldade com a gratidão assim como eu e qualquer mortal está propício a experimentar. Ser agradecido a Deus diante de circunstâncias difíceis é um grande desafio, uma árdua tarefa. É mais fácil murmurar, reclamar. É mais natural, mais cômodo.

O apóstolo Paulo ensinou: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus, em Cristo Jesus, para convosco” (1 Ts 5. 18). E Paulo tinha autoridade para falar sobre esse assunto, pois ele havia aprendido a viver contente “em toda e qualquer situação” (Fp 4. 11), coisa que eu luto para aprender, mas não consigo.

Quando o apóstolo disse para darmos graças, obviamente ele não queria exigir de nós uma atitude sobre-humana nesta matéria. Creio lucidamente que o que o apóstolo esperava não era uma reação anestésica diante do sofrimento, um tipo de fé psicodélica que nos imunizasse em relação à dor e ao sofrimento. Foi por isso que ele disse: “Em tudo dai graças”, e não: “Por tudo dai graças”.

Há uma grande diferença nessas duas frases. Dar graças “por tudo” seria exigir algo que nenhum ser humano, em sã consciência, seria capaz de fazer. Não damos graças pela morte precoce de um familiar, pela tragédia que vitima crianças, pela catástrofe que assassina velhos, nem por vicissitudes que esmagam nossos sentimentos. Não somos capazes de agradecer “por tudo”. Creio, mais lucidamente, ainda, que o Deus que nos fez simplesmente humanos reconhece que tal capacidade faria de nós super-humanos. E Deus não exige de nós aquilo que ele sabe que nós não somos capazes de fazer. Por isso, através do apóstolo, ele exortou: “Em tudo dai graças”.

A diferença não está apenas nas preposições, mas na atitude. Dar graças “em tudo” é reconhecer, em meio a quaisquer circunstâncias, que há um propósito e haverá um recurso. É crer de maneira segura que Deus proverá o necessário, apesar das circunstâncias não preverem. Dar graças “em tudo” nos permite chorar, lamentar, sentir a dor. Dar graças “por tudo” roubaria de nós a sensibilidade e o prazer de dizer: “Dói muito”.

Há muitas pessoas que confundem gratidão “em tudo” e gratidão “por tudo”. Por isso passam a maior parte da vida frustradas por não saberem interpretar com sabedoria as situações que enfrentam. Querem agir como super-humanos, quando devem ser apenas humanos, frágeis, sensíveis. Querem ter uma expressão irredutível de força e equilíbrio, quando na verdade podem chorar e expressar verdadeiramente o que se passa na alma. Dar graças “por tudo” significaria ter sempre um sorriso nos lábios e uma piada pronta para enfrentar as calamidades. Dar graças “em tudo” permite o pranto na noite, na esperança de que a alegria virá pela manhã. Dar graças “por tudo” seria ignorar que há tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de saltar de alegria”. Dar graças “por tudo” significaria que o tempo seria sempre o mesmo. Dar graças “por tudo” igualaria todas as circunstâncias, nivelando as reações, produzindo uma estabilidade incompatível com a natural anormalidade da vida humana. Dar graças “em tudo” nos ensina que a diferença na vida não é passar ou não pelos vales, mas como passar por eles. Dar graças “em tudo” nos permite conjugar choro e fé, lamento e esperança, crise e conforto, medo e paz numa sintonia que não compromete nem desqualifica a nossa fé.

Jim Burns disse que “a gratidão é um atributo que transcende as circunstâncias”. Sim, mas não as anula. As circunstâncias permanecem lá, às vezes sombrias, dolorosas, cruéis, avassaladoras. Mas a gratidão nos faz olhar além das circunstâncias. A gratidão não é um anestésico, um entorpecente espiritual. Gratidão é olhar a dor, mas enxergar além da dor; gratidão é sentir a perda, mas ver além da perda; gratidão é passar pelo sofrimento, mas avistar além do sofrimento. Ser grato é saber compreender o propósito, mesmo sem saber o porquê. É crer, ainda que sem entender, que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. Ser grato “em tudo” é saber que, sejam quais forem as circunstâncias, haverá ainda um motivo para continuar a vida. Que as circunstâncias podem nunca mudar, mas nós podemos mudar a atitude em meio a elas. Isto é ser grato “em tudo”. Este é o segredo da gratidão. Isto faz uma grande diferença! E tem feito diferença na minha vida, nestes últimos dias.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

“SOBRE O ESPAÇO, SONHADORA E BELA!”. A GRAÇA COMUM EM VILLA LOBOS


Os teólogos chamam de graça comum a influência geral do Espírito Santo que oferta a todos os homens a possibilidade de experimentar algumas bênçãos da parte de Deus. A Bíblia diz que “Deus faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5. 45). Esta bendita providência sobre os incrédulos não lhes confere qualquer recurso contra a essência pecaminosa, nem é capaz de produzir a genuína conversão deles. É somente através do poder iluminador do Espírito Santo, que torna efetiva a pregação do Evangelho, que o não regenerado pode experimentar a verdadeira transformação espiritual. Todavia, a graça comum é aquela bendita manifestação da Graça de Deus, oferecida a fim de “restringir a devastadora influência e desenvolvimento do pecado no mundo, e para manter, enriquecer e desenvolver a vida da humanidade em geral e dos indivíduos componentes da raça humana” (Louis Berkhof). De acordo com o teólogo Loraine Boettner, “entre as bênçãos mais comuns que devem ser atribuídas à esta fonte, podemos enumerar a saúde, a prosperidade material, a inteligência em geral, os talentos para a arte, música, oratória, literatura, arquitetura, comércio, invenções e etc. (...) A graça comum é a fonte de toda a ordem, o refinamento, a cultura, a virtude comum, etc., que encontramos no mundo, e através dela é que o poder moral da verdade no coração e na consciência é aumentado, e as paixões maléficas dos homens são restringidas. Ela não leva à salvação, mas livra esta terra de transformar-se em inferno”.

Recentemente ouvi algumas das composições de Villa Lobos. Soaram leve e encantadoramente agradáveis aos ouvidos e à alma. Uma beleza tão rara que não poderia ser produzida sem qualquer influência divina.

Heitor Villa Lobos não entendia esse conceito de graça comum, mas foi alvo dela. As suas Bachianas nasceram, creio, sob a influência da graça comum de Deus. Ouvi-las é ter a certeza de que, conforme disse Boettner, a terra só não é um inferno porque Deus intervém com a sua graça. E que graça! Ainda que comum, na linguagem teológica; mas sobrenaturalmente encantadora.

“Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente. Sobre o espaço, sonhadora e bela! Surge no infinito a lua docemente, Enfeitando a tarde, qual meiga donzela. Que se apresta e a linda sonhadoramente, Em anseios d'alma para ficar bela. Grita ao céu e a terra toda a Natureza! Cala a passarada aos seus tristes queixumes, E reflete o mar toda a Sua riqueza... Suave a luz da lua desperta agora. A cruel saudade que ri e chora! Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente. Sobre o espaço, sonhadora e bela!” (Bachianas Brasileiras nº 05 - Heitor Villa Lobos).