quarta-feira, 25 de maio de 2011

JÁ NÃO SE FAZEM PASTORES COMO ANTIGAMENTE

Li na internet uma notícia que me chamou a atenção no início da semana. Um pastor foi baleado na porta da sua igreja no último dia 22 de maio, na cidade de Timóteo, no Vale do Aço, interior de Minas Gerais. Fiquei questionando se a tentativa de assassinato seria algum tipo de perseguição por causa da pregação do pastor, ou apenas mais um caso de violência gratuita que não respeita mais ninguém, ou, ainda, algum tipo de engano por parte dos criminosos. De qualquer modo, a notícia de um pastor ter sido baleado na porta da igreja ao final do culto convenhamos, não é algo muito comum, nem, tampouco, agradável de se ler ou de se ouvir.

Houve um tempo em que ser pastor era motivo de orgulho e sinônimo de prestígio. Nesse tempo distante, as diversas igrejas existentes nas pequenas comunidades rurais preparavam-se com grande expectativa e júbilo para a passagem do pastor pelos lugarejos, a fim de pregar seus sermões, batizar os crentes e ministrar a Santa Ceia. Pastor, naqueles tempos, era coisa rara. Havia menos pastores do que igrejas. Cada pastor precisava dividir seu tempo entre, até, seis igrejas ou mais, viajando a cavalo ou a pé para atender os crentes e cumprir sua missão.

As pequenas comunidades paravam para assistir aos sermões do pastor e ouvir seus conselhos. Nas casas mais abastadas havia sempre um quarto reservado para o pastor. A porta mantinha-se rigorosamente trancada, a cama intocada e os objetos intactos. Aquele quarto era só para o pastor, considerado pela família a visita mais ilustre entre muitas outras. Para a família era um grato privilégio hospedar o servo do Senhor. Ninguém ousava recusar esse privilégio.

Vale ressaltar que os pastores daquela época não precisavam discursar nos púlpitos em favor desses privilégios. Eles não precisavam constranger a igreja reafirmando sua posição e exigindo honra e respeito. Eles, por si mesmos, eram honrados e respeitáveis. Por considerarem o ofício pastoral um dos mais nobres entre outros ofícios, portavam-se com dignidade diante da nobreza do ministério. Recebiam respeito por serem respeitáveis; recebiam honra, porque eram honrados; recebiam privilégios porque eram dignos deles.

Os tempos passaram e muita coisa mudou. Hoje há mais pastores do que igrejas. Nas casas de muitos crentes não há espaço para se reservar um quarto só para o pastor. Muitos pastores não andam mais a pé, muito menos a cavalo. As comunidades não esperam mais com tanta ansiedade a passagem dos pastores. Aliás, em muitas delas, os pastores sequer são bem-vindos.

É bem verdade que já não se fazem mais crentes como antigamente. Mas, ouso dizer que a razão principal para a mudança do comportamento das pessoas para com os ministros é que já não se fazem mais pastores como antigamente.

Naquele tempo remoto, o pastor era tido como homem de palavra, varão honrado e digno de respeito. A palavra do pastor era respaldada e avalizada pelo seu caráter e moral ilibada. Havia pastores menos respeitáveis? Com certeza. Mas isto era a exceção. Hoje virou quase a regra.

O crescimento desenfreado de denominações evangélicas tem sido um fator responsável pelo estabelecimento dessa regra lamentável. Hoje em dia qualquer um pode ser pastor ou se dizer pastor. Principalmente naquelas igrejas independentes que surgem em cada esquina, onde um sujeito qualquer (qualquer mesmo!) coloca um terno e uma gravata, coloca-se atrás de uma tribuna com um microfone na mão e se auto-ordena “ministro do evangelho”. E essa anomalia gera pastores de todo tipo e contribui para o desprestígio da classe.

Entretanto, a responsabilidade não é apenas das igrejas independentes. Ela também deve ser dividida por alguns pastores de igrejas históricas que usam títulos e diplomas para esconder pecados horrendos e corrupções diversas.

Para falar a verdade, ser pastor hoje é motivo de pouco orgulho e sinônimo quase nenhum de prestígio. Pastor, para muitos, é sinônimo de caloteiro, mal pagador, explorador e outros adjetivos pouco louváveis. Há exceções? Claro que há, mas elas não têm conseguido mudar o quadro. Até porque, os bons pastores não aparecem na mídia, não ocupam os noticiários nem alardeiam aos quatro ventos a sua excelência (se o fizessem, claro, perderiam tal excelência, porque um dos princípios básicos dessa excelência é a discrição e a humildade).

O certo é que a igreja precisa de pastores dignos de honra e respeito, e a classe pastoral precisa resgatar essas qualidades. Aliás, a sociedade precisa ver os pastores como homens dignos, corretos, respeitáveis e excelentes. Creio que isto deve começar pelos próprios pastores. Eu sou pastor, felizmente. Sei que não tenho todas as características que se espera de um pastor excelente, ou daqueles nobres pastores de antigamente. Mas espero nunca estampar os noticiários como um mau exemplo. Para isto conto sempre com a misericórdia de Deus em meu favor.

A propósito, de acordo com parentes, o tal pastor de Timóteo já vinha sofrendo ameaças de morte há algum tempo. O motivo das ameaças e dos tiros? Dívidas. É, realmente, já não se fazem mais pastores como antigamente.

Agnaldo Silva Mariano

terça-feira, 3 de maio de 2011

O PATRIOTISMO GLOBALIZADO

Barack Obama anunciou extasiado: “A justiça foi feita”. Referia-se à morte de Osama Bin Laden, líder da organização terrorista Al-Qaeda, responsável pelos atentados às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001. O homem mais procurado pelos Estados Unidos foi morto em uma ação militar no Paquistão, no último dia 02 de maio de 2011. Bastou o anúncio do presidente para que os americanos inflassem seu ego patriota e saíssem às ruas empunhando bandeiras e aos gritos de “U.S.A...U.S.A”.

A euforia americana fez lembrar os nossos festejos quando a seleção tupiniquim conquistou seus títulos mundiais de futebol. Pessoas alegres, vestindo roupas com as cores nacionais, cantando o hino do país e bradando o nome da nação. Os americanos também sabem comemorar conquistas esportivas. Especialmente nos dias do Super Bowl, a grande final do campeonato de futebol daquele país. Mas a verdade é que não é preciso muita coisa para que os americanos exalem seu patriotismo. Nós brasileiros temos menos vocação patriota; mas os americanos fazem questão de expressar seu orgulho nacional sempre que podem; ou sempre que querem.

Quiseram os americanos expressar o seu patriotismo no dia 02 de maio em razão de uma morte. É claro que não foi a morte de um homem qualquer. Foi a morte do homem que liderou os ataques responsáveis pela perda de mais de três mil americanos há dez anos atrás. Era o criminoso mais odiado pela nação. Era um terrorista, um delinqüente, um assassino. Mas o sentimento de orgulho nacional americano expõe algumas agruras lamentáveis e nos leva a algumas reflexões sobre o perigo do patriotismo globalizado.

O povo americano tem todo o direito de sentir-se aliviado com a morte de um inimigo da nação. Mas a comemoração nas ruas demonstra um sentimento vingativo tão ruim quanto o que outras nações demonstram em relação à sua nação. O ódio anti-americano existente em muitas nações é um dos piores sentimentos possíveis na civilização contemporânea. E os americanos conseguiram copiar o que mais lhes dói. Conseguiram tripudiar sobre a morte de um inimigo como muitos inimigos fazem quando matam seus soldados. É pedir muito que os americanos amem seus inimigos? Sinceramente, não sei; mas é preciso questionar se esse tipo de comemoração é ética ou justa. É preciso, ainda, questionar, se a justiça se faz dessa maneira. Aliás, quem instituiu o governo americano como o guardião da justiça mundial? Quem conferiu aos Estados Unidos o direito de invadir qualquer nação do mundo e matar seus desafetos? Isto vale para qualquer nação? Qual é o padrão de justiça no qual Barack Obama se inspirou ao dizer que “a justiça foi feita”?

Não quero aqui inocentar Bin Laden nem condenar Barack Obama. Quero apenas questionar esse senhorio americano sobre o mundo e seu direito de invadir nações à procura de estabelecer o seu ideal próprio de justiça. Foi com esse sentimento que os americanos sentiram-se autorizados a invadir o Iraque e provocar uma desordem até hoje não resolvida.

Um dos efeitos perigosos da comemoração desta investida dos Estados Unidos contra Osama Bin Laden é a globalização do patriotismo americano. Saindo às ruas com tamanha euforia os americanos conseguiram fazer com que o mundo inteiro ficasse do seu lado. De repente todos se sentiram um pouco americanos, um pouco vingados e um pouco orgulhosos também. O patriotismo americano, então, se transformou num patriotismo global, e as causas americanas passaram a ser as causas de todo o mundo. A noção de justiça dos americanos passou a inspirar outras nações. E Barack Obama é, então, o novo herói mundial.

Osama Bin Laden pagou por seus erros, em vida, na morte e continuará pagando após a morte se não se arrependeu deles. Mas será que os americanos não precisam também enxergar seus crimes e erros contra outras nações? Será que há tanto o que comemorar? Tomara que o mundo enxergue que o patriotismo americano demonstrado nas ruas após a morte de Osama Bin Laden não é um padrão a ser copiado. Tomara que as nações entendam que, melhor do que sair às ruas para comemorar a morte de um inimigo é não criar inimigos. Tomara que as nações entendam que não se faz justiça com vingança; nem se alcança paz com ódio. Tomara que os próprios americanos entendam que a “grandeza do país e a determinação do povo americano”, aclamadas por Bacak Obama em seu discurso, foram construídas sob princípios muito mais nobres e eloqüentes do que o ódio e a vingança. Creio que os fundadores da nação americana ficariam envergonhados da celebração de um patriotismo tão sangrento.

Agnaldo Silva Mariano