quinta-feira, 31 de maio de 2012

AS FESTAS JUNINAS E A LIBERDADE CRISTÃ


Por Rev. Misael Nascimento

Um cristão protestante pode participar de festas juninas? Três respostas têm sido dadas a esta pergunta. Primeiro, há os que dizem “sim”, uma vez que entendem as festas juninas como celebrações cristãs. Afirma-se, nesse caso, que estamos diante de festejos ligados a personagens bíblicos tais como João Batista, Pedro e Paulo e isso, por si só, legitima tais festas como integrantes do calendário cristão. Essa é a posição defendida pela Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR).

Outros respondem com um absoluto “não”. Entendem que o modo como o Catolicismo Romano ensina sobre os santos não é bíblico. A Bíblia não prescreve nenhuma festa ligada aos profetas ou apóstolos, muito menos a nenhum ser humano canonizado pela igreja. Não há espaço para a crença em santos mediadores. Segundo as Escrituras “há um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5). Essa é a posição defendida pela maioria dos evangélicos tradicionais.
Uma terceira resposta inicia com um “não”, afirmando que os cristãos protestantes devem afastar-se das comemorações romanistas das festas juninas e, ao mesmo tempo, finaliza com um “sim”, abrindo espaço para a realização de arraiais gospel – festas caipiras evangélicas. Essa posição tem sido defendida por alguns evangélicos.
Aqui é recomendável lembrar as palavras do apóstolo Paulo:
"Portanto, meus amados, fugi da idolatria. Falo como a criteriosos; julgai vós mesmos o que digo. Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo. Considerai o Israel segundo a carne; não é certo que aqueles que se alimentam dos sacrifícios são participantes do altar? Que digo, pois? Que o sacrificado ao ídolo é alguma coisa? Ou que o próprio ídolo tem algum valor? Antes, digo que as coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam e não a Deus; e eu não quero que vos torneis associados aos demônios. Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios. Ou provocaremos zelos no Senhor? Somos, acaso, mais fortes do que ele?" (1Co 10.14-22).
Um dos fatos a destacar é que, no texto em questão, Paulo trata da participação dos cristãos em refeições realizadas no contexto de rituais pagãos (Bíblia de Estudo de Genebra, 1. ed., 1999, nota 10.14, p. 1357). Sua convicção é que o cristão não deve participar de coisas ligadas à idolatria; tal ligação, em última instância, corresponde a uma “associação” com os demônios. Para o apóstolo, o problema era que os crentes, ao comer alimentos oferecidos aos ídolos, depreciavam sua comunhão com Deus na Santa Ceia, ou seja, agiam de modo inconsistente com a aliança, e, deste modo, provocavam o “zelo” do Senhor (1Co 10.18-22).

Isso pode ser transposto à questão das festas juninas por meio de um argumento de quatro pontos, qual seja:

1.    A veneração aos santos da ICAR, por ferir não apenas a recomendação de 1Timóteo 2.5, mas também Êxodo 20.3-6, é idolatria.
2.    As festas juninas, ligadas à veneração dos santos romanistas, são idólatras.
3.    O cristão, de acordo com 2Coríntios 10.14, deve fugir da idolatria.
4.    Portanto, o cristão deve fugir das festas juninas.

Anteriormente eu entendia que não havia problema em uma criança participar dos festejos juninos de sua escola. Hoje penso que o melhor é os pais explicarem a essa criança as razões pelas quais ela não participará da festa junina. É mais instrutivo, bíblico e edificante.
Mas, o que dizer da “alma caipira” que reside em nós, que nos motiva a acender fogueira, assar mandioca e batata-doce e comer bolo de fubá? Qual o problema, por exemplo, de realizar uma noite caipira ao som de modas de viola e, quem sabe, até brincar inocentemente de quadrilha evangélica? Ou criar uma “Festa dos Estados”, com barracas de comidas típicas ou algo semelhante, quem sabe até como estratégia para atrair visitantes?

Inicialmente, declaro meu respeito aos colegas pastores e irmãos em Cristo que não enxergam problemas na realização desse tipo de atividade. Eu mesmo já acreditei que isso podia ser feito sem prejuízos para o testemunho cristão e fiz isso de muito boa fé, com a alma sincera diante de Deus. No entanto, mudei de posição. Hoje, creio que a produção de versões evangélicasde festas juninas não é recomendável por algumas razões. Primeiro, porque estamos saturados de versões gospel de tudo: Temos uma quase inesgotável lista de práticas e “produtos” gospel. É preciso compreender que não fomos chamados a imitar o mundo e sim a transformá-lo (1Jo 2.15-17).

Em segundo lugar, há outro problema denominado associação. É possível que, ao participar de uma festa junina gospel, sejam feitas associações com o evento original, de origem e significado idolátricos – queiramos ou não, festas juninas estão ligadas às crenças da ICAR. Cristãos sensíveis podem sentir um desconforto inexplicável diante disso. Visitantes interessados na fé protestante exigirão explicações mais detalhadas sobre as razões da realização de tal noite caipira “calvinista”.

Sendo assim, parece-me mais adequado considerar as festas juninas evangélicas entre aquelas coisas que o apóstolo Paulo chama de lícitas, mas inconvenientes e não-edificantes (1Co 10.23). Nessas questão, pensemos primeiramente nos interesses do corpo de Cristo, e não nos nossos (1Co 10.24). Não sou contra comer bolo de milho, ou canjica, ou pé-de-moleque. Gosto de batata-doce assada na brasa e me delicio com um bom curau e uma música caipira de raiz. Desfrutemos dessas coisas, porém, na privacidade de nossos lares ou fora do contexto de festas caipiras nos meses de junho e julho. Não porque tais iguarias sejam pecaminosas em si, mas para evitar associações indesejáveis.

Somos livres para participar de festas juninas? Não. Ao participarmos de tais festas, nos ligamos em idolatria. Devemos realizar eventos caipiras gospel? Devemos participar de tais atividades? Também não. Nesse segundo caso, não porque haja idolatria envolvida, mas porque há o perigo de associações indesejáveis. O ideal é que fortaleçamos nossa identidade cristã, bíblica e protestante, desvinculando-nos de qualquer aparência do mal (1Ts 5.22).

Publicado originalmente em http://www.misaelbn.com.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

MÚSICA GOSPEL: VISÃO DE REINO OU NEGÓCIO?


Li, recentemente, dois textos relacionados à música evangélica no Brasil. Um deles foi publicado pela revista Veja, edição de 23/05/12 e trazia o título: “Deus é pop”. A reportagem de três páginas procurou retratar a mudança pela qual passou a música evangélica nos últimos tempos. De acordo com o texto, a música evangélica, tempos atrás, era assim representada: “Homens de terno alinhadinho e mulheres de saia comprida e cabelo preso, todos com a Bíblia debaixo do braço, cantam barulhentos hinos de louvor com vozes potentes, tão exageradas que até dão a impressão de que Deus é surdo e só atende às preces de quem grita”. Hoje, no entanto, as coisas mudaram. Agora a música evangélica é gospel, e é representada por “astros” e “estrelas nacionais”, num guarda-sol que abriga “os mais variados gêneros: rock, samba, soul, hip-hop e até axé music”.

Ainda, conforme a reportagem assinada por Sérgio Martins, a música gospel é “o segundo gênero mais consumido no país, atrás apenas do sertanejo”. Por tudo isto, muitos, certamente, comemoraram o reconhecimento da grande mídia ao segmento, que hoje tem acesso fácil a programas de televisão, especiais produzidos até pela, antes demonizada, Rede Globo e contratos milionários com grandes gravadoras “seculares”.

Para alcançar tamanho “reconhecimento”, a reportagem destaca que algumas mudanças precisaram ser feitas. Mudaram-se as roupas, os ritmos e até a mensagem. Antes, Deus “parecia ser sempre o Deus implacável do Antigo Testamento”. Agora, nestes tempos de popularidade, “o Deus gospel ficou bem mais camarada”.

O segundo texto sobre música evangélica eu li na versão digital da revista Cristianismo Hoje. Trata-se de uma entrevista com o pastor Paulo Cézar da Silva, líder do Ministério Logos, publicada em dezembro de 2011. A entrevista dada ao jornalista Carlos Fernandes é uma verdadeira aula de bom senso. Questionado sobre o que mudou para melhor e para pior na música evangélica ao longo dos últimos trinta anos, tempo de existência do Logos, Paulo Cézar respondeu: “Para melhor, acho que mudou a qualidade técnica. A evolução dos músicos, dos estúdios, dos instrumentos e do som é perceptível. As chances de alguém gravar e fazer um bom trabalho, hoje, são muito maiores do que antes. O que mudou para pior, com algumas exceções, foi o conteúdo, tanto do que se produz como do objetivo com que se canta”. Para Cézar, na música gospel atual “o mundanismo tomou o lugar da contextualização”, “as letras são escritas de acordo com várias influências”, compositores são levados “a compor o que seus ‘clientes’ gostam, e não o que precisam”, que hoje há muita “ganância por posição, popularidade, fama e dinheiro”, e que quando fica sabendo dos valores cobrados por muitos “artistas gospel” para suas apresentações, sente-se “enojado”. A certa altura da entrevista Paulo Cézar diz: “Vale qualquer coisa, desde que resulte em grana!  Então eu pergunto: Onde está a visão do Reino nesse negócio?”.

Aí está o ponto. Os dois textos apontam numa mesma direção: A música evangélica passou por diversas mudanças ao longo dos últimos tempos. O problema é que cada um deles intepreta essas mudanças de maneiras diferentes. A reportagem de Veja analisa os pontos considerados por muitos, positivos dessas mudanças. A entrevista de Paulo Cézar expõe muitos aspectos negativos. Qual dessas interpretações eu prefiro? É preciso dizer?

Há muito a música evangélica deixou de ser música de adoração para ser música de mercado. Seus principais representantes mudaram da categoria de adoradores para a de “artistas”, “celebridades”, “astros” ou “estrelas”. A música gospel agora é um grande negócio, e não há espaço para visão de Reino em um negócio. Visão de Reino pressupõe voluntariedade, abnegação; negócio requer receita. Visão de Reino abrange absolutos inegociáveis em nome da fé; negócio exige relativizações em função dos lucros. Visão de Reino tem princípios; negócio tem contratos. Visão de Reino cria servos; negócio inventa ídolos. Visão de Reino conclama culto a Deus; negócio agenda shows. Visão de Reino visa adoradores; negócio atrai clientes. Na visão de Reino, como disse Paulo Cézar, “crentes de verdade rendem seus talentos ao Senhor e testemunham com suas vidas o caráter de verdadeiros adoradores”. Nos negócios faz-se como o compositor gospel Anderson Freire, citado na reportagem de Veja: “Minha aliança é com Deus e com os homens”.

Grande parte da música gospel está a serviço de uma indústria de entretenimento e não a serviço da visão de Reino. Ela não representa com tanta exatidão a fé cristã e está muito longe de ser uma expressão genuinamente evangélica; é mais uma expressão do pluralismo pós-moderno, um triste retrato de uma igreja sem identidade bíblica.

Eu creio que a música cristã precisa estar a serviço da adoração a Deus e não de uma indústria. Ela deve expressar a crença do povo de Deus e identificar a fé desse povo, e não agradar a uma plateia ou produzir fãs. A música cristã deve se preocupar em ser bíblica antes de ser contextualizada.

A reportagem de Veja encerra dizendo que, no caso da música evangélica brasileira, “ainda há alguns obstáculos no caminho até os homens: as rádios comerciais em geral ignoram o grosso da produção gospel”. Em sua entrevista, o pastor Paulo César da Silva diz: “Sonho com bons músicos, crentes de verdade, que rendam seus talentos ao Senhor e testemunhem com suas vidas o caráter de verdadeiros adoradores”. A julgar por este sonho do pastor Paulo Cézar o caminho até Deus é bem mais longo.

Agnaldo Silva Mariano