quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

COM QUANTOS “ISMOS” SE FAZ UMA DEMAGOGIA

A demagogia sempre esteve presente na história. Os demagogos são figuras características dos sistemas políticos. Eles surgem em meio às incertezas como porta-vozes da esperança, os libertadores, salvadores da pátria. Na história do nosso país não faltam personagens assim. Seja nos sertões ou nas grandes urbes, seja construindo pontes sobre córregos vazios ou cidades no meio do nada, os demagogos sempre estiveram em cena. Mas a verdade é que, nunca na história deste país, a demagogia fez tanto sucesso e alcançou índices tão exuberantes de popularidade como nestes tempos de lulismo no poder.

O lulismo era um sonho; o sonho virou presidente, e o presidente quer virar mito com o lançamento do filme “O Filho do Brasil”. A demagogia precisa do elemento mitológico para sobreviver. É este elemento que cria o fascínio e sustenta a crença nas suas imponderáveis alegações. Ninguém se iludiria com uma demagogia se por trás dela não houvesse um mito amparando as teses e lhe dando um aspecto de plausibilidade.

Os mitos que sustentam as demagogias são, em geral, aparentemente, humildes e simplórios. Mas na realidade são vaidosos e egocêntricos. O lulismo é assim; na aparência é humilde como um simples filho do Brasil. No entanto, a realidade é outra. O lulismo não se vê apenas como “UM” filho do Brasil; ele quer ser “O” filho. O lulismo se vê como o modelo de filho da pátria, o grande exemplo, o maior referencial, o primogênito da nação. Nada poderia ser mais narcisista.

Na realidade o narcisismo lulista não está satisfeito em ser apenas um simples “Filho do Brasil”. O lulismo quer ser o “Pai da Pátria”; ele se comporta como o Salvador da nação. O lulismo quer passar para a história como aquele que verdadeiramente descobriu o Brasil. O lulismo pode até reconhecer que não inventou a roda, mas, seguramente, acredita que foi ele quem descobriu a sua utilidade.

O lulismo é também egocêntrico, não vê nada além de si mesmo. Seu egocentrismo permite declarações auto-intituladas de ser o melhor em tudo. Um tipo perigoso de ufanismo que lhe assegura imunidade irrestrita a fim de justificar quaisquer de seus atos, inclusive os mais suspeitos. O ufanismo lulista não respeita regras, porque faz as suas próprias em benefício do seu próprio idealismo. Idealismo este que faz a nação aproximar-se perigosamente de tantos “ismos” inconseqüentes, como o castrismo cubano, o chavismo venezuelano, o terrorismo iraniano ou até mesmo acolher o anti-democratismo zelaysta, sem dar à nação o direito de opinar se quer ou não fazer parte dessa confraria de “ismos” avessa às liberdades e direitos próprios da democracia.

O lulismo é pateticamente cínico. Finge não saber o que todos sabem e muitos provam. Ninguém esqueça que o cinismo lulista negou com absurda soberba o inegável fato do mensalão e seus dólares escondidos até em partes íntimas de alguns de seus pares.

O lulismo é fruto do malfadado socialismo, aquela utopia que já morreu há muito tempo, e muitos não querem sepultar. Infiltrou-se na vida pública através do atalho do sindicalismo, e fez deste viés um chamariz para o messianismo que o transformou em herói nacional e o colocou nos braços do povo. O populismo é a arma da demagogia lulista, é o seu maior trunfo. Inflamar as massas com discursos carregados de erros de português e até palavrões faz parte da cartilha demagógica lulista, um truque para não cair na malha fina do bom senso.

O nacionalismo é pródigo em criar os pseudo-messias, os impecáveis heróis defensores dos desfavorecidos. Puro sentimentalismo inconseqüente. O sentimentalismo lulista ignora os seus próprios pecados, transformando acusações de crimes em perseguições maldosas. A demagogia lulista não aceita oposições. O lulismo sempre é a vítima quando se trata dos seus próprios erros e dos seus capangas; mas sempre o herói, o descobridor, mesmo com os acertos dos outros.

O ignorantismo lulista age contra a liberdade de imprensa. Ela é sempre uma ameaça, uma pedra no caminho do seu pragmatismo messiânico. Pragmatismo este que combina esmola e cotas raciais, transformando o assistencialismo numa arma de manipulação de quem acredita que o Estado é servo do seu chefe e dependente dele. Há que se ressaltar que numa democracia o Estado nunca poderá ser menor do que quem o comanda. Assim sofreram tantas civilizações (e ainda sofrem outras) dominadas pelo despotismo que viu no totalitarismo uma medida de segurança contra o prejuízo nacional. Mas a história tem provado que o maior prejuízo para uma nação é o oportunismo de quem se julga insubstituível e deflagra uma guerra contra a sanidade do povo ao pensar por ele em beneficio do idealismo daqueles que não querem deixar o poder. É o que o lulismo faz ao determinar por si e para si quem é melhor para Brasil, sem dar ao país a chance de comparar e escolher com base na realidade, não em um realismo inventado por agências de marketing.

O maior ideário do lulismo é, talvez, o mais perigoso entre todos os outros "ismos": o continuísmo. Esta, sim, é uma arma capaz de destruir as esperanças. Se, conforme alegado, a esperança havia vencido o medo quando o lulismo chegou ao poder, hoje a demagogia tem vencido a esperança, tentando impor à nação a sua perpetuação. O continuísmo lulista é planejado no ilusionismo que tenta criar uma imagem messiânica numa candidata sem expressão, sem projeto e sem graça. É ainda engendrado no sincretismo que aliançou, sem pudores, o lulismo ao velho brizolismo, ao nada ético sarneismo e, se pudesse aliançaria até Jesus a Judas.

A demagogia lulista acredita piamente no estabelecimento de uma nova ordem mundial, na qual o lulismo está no centro. De repente o mundo passou a girar em torno do lulismo, e sem ele, nada do que foi feito se fez. Essa demagogia quer fazer o povo pensar que o lulismo é indispensável à nação pelos próximos séculos.

É bem verdade que as demagogias sempre fizeram parte da história, mas a historia já superou muitas delas. O lulismo é só mais uma demagogia. E que a história nos prove mais uma vez que, de tempos em tempos, o povo se enfada e volta a ter uma nova esperança.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

QUE PROBLEMA HÁ SE AS IGREJAS EVANGÉLICAS CANTAREM MÚSICAS CATÓLICAS?

Escrevi recentemente um texto neste blog no qual expus minha opinião contrária quanto à aproximação do cantor André Valadão com a banda católica Rosa de Saron. Embora haja quem considere aquela situação uma grande dádiva de unidade, tenho muitas razões para continuar afirmando que aquela estratégia não passa de ecumenismo barato que em nada contribui para o Evangelho. Mas o tema da aproximação entre católicos e evangélicos em relação à música é recorrente, e parece tornar-se cada vez mais provocante.

Os católicos, assim como os evangélicos, sempre cantaram. Nunca houve um período em que o catolicismo não se utilizasse da música como instrumento de proclamação da sua fé. O que ocorre é que, com o fortalecimento do movimento de renovação carismática ocorrido no Catolicismo após o Concílio Vaticano II, inaugurou-se uma nova fase da música católica. A chamada “música católica popular”, surgida por volta da década de 60, veio como uma espécie de defesa, e, ao mesmo tempo, de “contra-ataque” do catolicismo contra a força protestante na utilização do recurso musical como meio de propagação de sua mensagem. Deste período vem a utilização de instrumentos populares e de uma linguagem mais acessível e emotiva nas canções, limitando o uso da formalidade, não só dos instrumentos clássicos, mas também do palavreado tradicional.

Um dos precursores desse movimento foi o Padre Zezinho, que por um longo tempo foi o único cantor de grande expressão no catolicismo. Na década de 80 o avanço de uma musicalidade mais popular dentro do Catolicismo deu-se, principalmente, através da Comunidade Canção Nova, que passou a produzir suas próprias canções e a inserir, no repertório católico, músicas produzidas e cantadas pelos evangélicos.

A grande revolução da música católica popular ocorreu em meados da década de 90, com o surgimento da banda Vida Reluz, da Banda Canção Nova e o grande crescimento de gravações musicais de padres populares como Marcelo Rossi e Antônio Maria. Hoje destacam-se nomes na música católica como Dunga, da Comunidade Canção Nova, Anjos de Resgate, Padre Fábio de Melo e Rosa de Saróm, entre outros.

As músicas produzidas por esse segmento do Catolicismo têm repercutido não apenas no seu contexto original, mas tem chegado às residências e igrejas evangélicas, produzindo, em alguns desses espaços, grande discussão a respeito de ser lícito ou não os evangélicos cantarem músicas católicas em seus cultos.

O meu problema com as músicas católicas está na ideologia que as originou. Acredito que a música é um poderoso instrumento para qualquer segmento religioso expressar a sua ideologia e atrair a atenção; afinal, a música cativa e, muitas vezes, é o veículo mais fácil para se chegar às massas e convencê-las ou, no mínimo, gerar interesse pelo que aquele segmento prega. Os cantores católicos populares usam a música para expressar a sua fé católica. Eles não deixaram de ser católicos, nem de crer e defender os dogmas da sua religião que, diga-se de passagem, na maioria dos casos ferem absurdamente o conteúdo da fé genuinamente bíblica. Aliás, alguns desses dogmas estão lá; ainda que sutilmente, mas estão. Por exemplo, no mesmo CD em que o Rosa de Saron canta: “Mesmo na tempestade, mesmo que se agite o mar, te louvo, te louvo de verdade”, há uma canção que diz: “Não chore, linda menina, mas clame sem cessar, Ave, Ave, Ave Maria”. A melodia e as letras das músicas simplesmente camuflam aquilo que está no coração católico dos cantores. Além do mais, uma vez que essas canções foram produzidas, gravadas e divulgadas por bandas reconhecidamente católicas, elas representam o segmento no qual foram geradas; portanto, quando os evangélicos as cantam em seus cultos, automaticamente faz-se uma associação com catolicismo, o que, em muitos casos, gera uma idéia de que não há nada que faça distinção entre catolicismo e o protestantismo. Neste caso, o problema, em minha opinião, está nessa associação, que pode causar confusão na mente de alguém que, estando no romanismo, não perceba as diferenças e acredite que está tudo bem com o seu catolicismo.

Infelizmente, muitas pessoas acreditam que não devemos ressaltar as diferenças entre o catolicismo e a fé protestante, por isso buscam no repertório católico, novas opções de “louvor” para suas igrejas. Mas eu acredito que, em tempos como os nossos, as diferenças entre esses segmentos precisam ser evidenciadas, para que cada um busque apresentar suas razões de fé e deixar evidente a sua identidade. Não vejo nenhum benefício no sincretismo religioso, nem no ecumenismo, ainda que ele pareça belo e piedoso.

Minha opinião é de que nem tudo que fala de Deus realmente vem de Deus. Jesus disse: “Nem todo o que me diz: Senhor! Senhor! entrará no reino dos céus” (Mt 7. 21). O diabo também chamou Jesus de “Filho do Deus Altíssimo” (Mc 5. 7). Nem tudo que tem aparência de piedade é, de fato, agradável a Deus, pois, no fim, nega o seu poder (2 Tm 3. 5). O povo de Israel, por se aproximar dos cultos falsos, desconsiderando as diferenças que lhe afastavam deles, abandonou o verdadeiro culto a Deus e embrenhou-se num paganismo que culminou por destruir a nação. Incorporar elementos contaminados pela idolatria no culto a Deus sempre trouxe grandes prejuízos ao povo de Deus, nunca a bênção.

Acredito que os evangélicos podem louvar a Deus sem precisar recorrer ao que os católicos produzem debaixo de suas crenças idólatras. Ainda que algumas dessas canções falem daquilo que nós também cremos, não há razão para nos associarmos a uma fé que nega alguns princípios básicos da fé bíblica. Sou contra qualquer tipo de aproximação com o catolicismo romano, como sou contra qualquer aproximação com qualquer religião ou crença que negue a centralidade das Escrituras e o senhorio de Cristo. Assim como não justifica cantar músicas espíritas nos cultos evangélicos, embora algumas delas falem de Jesus ou de Deus, não justifica cantar músicas que venham do catolicismo. Como já havia afirmado aqui mesmo neste blog, creio que as diferenças que nos separam do catolicismo são maiores que qualquer aparência que, supostamente, nos une. Não há razão para sermos associados ao catolicismo romano se ele insiste em não voltar às Escrituras.

O grande problema é que a maioria das igrejas evangélicas prefere copiar o modismo em matéria de música do que voltar-se para a Bíblia e produzir seus cânticos baseados nos ensinamentos revelados por Deus. Preferem copiar o que todo mundo está fazendo sem obedecer critérios elementares como o bom senso e a verdade. Em muitos casos, não importa se é verdade ou não o que se está cantando; o importante é se está na moda. São critérios assim que permitem às igrejas evangélicas cantar aquilo que, muitas vezes, nega a sua própria fé. E é por isso que o catolicismo romano tem feito tanto sucesso atualmente no meio evangélico.

domingo, 22 de novembro de 2009

AS UTOPIAS PROTESTANTES E O SEU MST.

A sigla MST é muito conhecida dos brasileiros. Ela serve para designar o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Serra, ou, simplesmente, Movimento dos Sem Terra. Criado há 25 anos, o MST espalha terror pelo país afora sob a égide da luta pela reforma agrária. A verdade é que a sigla não só consagrou um movimento, como também institucionalizou a revolta armada em nome de mais uma utopia nacionalista.

As utopias estão presentes no nosso quotidiano. É por causa delas que surgem tantos movimentos; e é ainda, por causa delas, que tantos desses movimentos sobrevivem, ainda que em estado vegetativo, prolongando o sofrimento de quem neles acredita.

O protestantismo também tem as suas utopias, por isso ele abriga tantos movimentos estranhos e insólitos. Ninguém há que seja capaz de negar a presença dessas utopias e os seus efeitos na vida e na prática protestantes. É até possível dizer que, quem olha a igreja protestante, estando de fora dela, a vê a partir dessas utopias e, às vezes, a confunde com elas. Talvez por isso muitos confundam o ser protestante com o ser pentecostal, por exemplo, como se fossem, necessariamente, a mesma coisa. O pentecostalismo, na verdade, é só mais um tipo de utopia protestante, um movimento que sobrevive dentro do protestantismo, mas não o define, nem o identifica plenamente.

Há muitos outros movimentos dentro do protestantismo brasileiro, mas quero destacar neste artigo apenas um, que é, na realidade, um movimento crescente que, firmado na sua utopia própria, ganha força e gera preocupações. Esse movimento é o nosso MST, o que chamo de Movimento dos Sem Teologia.

O MST protestante é guiado pela mesma utopia que impulsionou o movimento pietista que se ergueu dentro do luteranismo no final do século XVII. O pietismo, cujo principal representante foi Phillipp Jakob Spener, defendia um tipo de renovação da piedade com base em um retorno subjetivo e individual ao estudo da Bíblia e à oração. Spener defendia um tipo de cristianismo baseado na experiência subjetiva, onde a piedade prática substituísse a ortodoxia e a inquirição teológica. A utopia pietista foi apresentada na principal obra de Spener, publicada em 1675, intitulada Pia Desideria. Entre as principais propostas para restaurar a vida da igreja, estavam: o conhecimento do Cristianismo deve ser alcançado através da prática; ao invés de ataques aos incrédulos e heterodoxos dar um tratamento simpático e gentil a eles; e uma reorganização da formação teológica das universidades, dando maior destaque à vida devocional.

A utopia pietista é o embrião do movimento pentecostal e neo-pentecostal. E é esta utopia que orienta o MST protestante. É a partir dessa utopia que muitos têm defendido na igreja protestante que não precisamos de teologia; que precisamos de experiências pessoais, não de investigações teológicas, afinal, acreditam, teologia e piedade se anulam. Para o MST protestante, teólogos são cientistas frios e indiferentes, e a intelectualidade é um empecilho à fé. Assim, antiintelectualidade é visto como sinônimo de espiritualidade, e as experiências subjetivas, são superiores a qualquer conceito teológico. De acordo com a cartilha do MST protestante, não devemos perder tempo com debates teológicos enquanto “vidas estão indo para o inferno”. O MST protestante é como o “grupo de Cristo”, os espirituais de Corinto.

O Movimento dos Sem Teologia caminha em sintonia com a utopia pietista ainda no que se refere ao tratamento com os incrédulos. Ao invés de questionar e debater temas divergentes, o MST protestante se aproxima da heterodoxia, convergindo em torno de supostas coincidências. Assim, as fronteiras teológicas são substituídas pela linha imaginária do amor acima das diferenças. Como conseqüência disso, o protestantismo perde aos poucos uma das características que lhe são mais caras e que lhe denominam: a arte do protesto, a graça do inconformismo.

O MST protestante condena a teologia como se não defendesse a sua própria teologia. É, simplesmente, impossível viver sem teologia. Há teologia nas nossas pregações, nos nossos cânticos, e até mesmo nas nossas orações, porque teologia nada mais é do que a maneira como interpretamos a revelação divina e expressamos essa interpretação.
Teologia é a busca pelo conhecimento de Deus, baseado na sua revelação pessoal. A Teologia não é a revelação divina, mas “na genuína teologia encontramos a revelação de Deus e a sua interpretação pelo ser humano”, como bem escreveu o Rev. Herminsten Maia Pereira Costa no texto “Ortodoxia Protestante: um desafio à Teologia e à Piedade”. Na teologia o homem busca, através do Espírito, a compreensão da revelação. O Rev. Herminsten ainda diz que “a teologia é uma reflexão interpretativa e sistematizada da Palavra de Deus; a sua fidedignidade está sempre no mesmo nível da sua fidedignidade à Escritura”. Por isso é possível associar teologia com piedade, afinal, não haverá verdadeira teologia sem apego e reverência à revelação divina.
O MST protestante espalha o terror no seio da Igreja alardeando um tipo de piedade sem reflexão e avessa aos debates, sem considerar que os debates teológicos, muitas vezes, nos livram dos erros e nos fazem enxergar com mais clareza a verdade. Foram os debates teológicos que abriram os olhos da igreja em épocas passadas e a fizeram redescobrir os tesouros da fé escondidos sob os escombros de uma religiosidade meramente experiencial. Não há como negar que grandes debates teológicos do passado fizeram a Igreja redescobrir as Escrituras e voltar-se à fé apostólica. A reflexão teológica, longe de atrofiar a Igreja, a fortalece no sentido de revigorar as suas convicções e reforçar a sua crença.
O protestantismo tem sido grandemente influenciado pelo Movimento dos Sem Teologia. A utopia que impulsiona esse movimento tem trazido à Igreja grandes prejuízos, e tem minado a resistência da Igreja contra inverdades que rondam seus muros. A ausência de preocupação com a teologia faz da Igreja um porto agradável para todo tipo de utopias que, acolhidas por uma estranha piedade, ancoram suas teses e desembarcam suas sutilezas, apresentando um tipo de fé avessa aos valores historicamente defendidos pela convicção protestante.
É necessário que a Igreja do nosso tempo recorde seu passado e reaprenda a arte do saber teológico. A teologia ancorada na Palavra de Deus, longe de perverter e esfriar a fé, fortalece as convicções dos crentes e lhes torna ainda mais reverentes e piedosos. Afinal, se a verdadeira Teologia é conhecimento da revelação de Deus, não haverá como essa teologia produzir frieza e indiferença. Ao contrário, produzirá uma fé firme e consciente, e uma Igreja madura e capaz de resistir às utopias.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

SOCIEDADES INTERNAS NA IPB: É MOMENTO DE REFLETIR.

As Sociedades Internas sempre foram a cara da IPB. Ao longo da história, elas identificaram e marcaram a identidade presbiteriana e diferenciaram a nossa denominação das demais. As Sociedades Internas sempre expressaram a força da organização presbiteriana e reforçaram a federalidade da nossa denominação.

Muitas igrejas Presbiterianas nasceram através do protagonismo das Sociedades Internas. Muitos outros grandes projetos evangelísticos, missionários e sociais surgiram a partir do dinamismo de jovens, homens e mulheres organizados nas Sociedades Internas, e comprometidos com o evangelho e a denominação. Além disto, muitos dos nossos líderes - pastores, presbíteros e diáconos - descobriram sua vocação em reuniões e Congressos de Sociedades Internas. As Federações e Confederações reuniram centenas de jovens em Congressos por todo o país. E nas Igrejas locais, os Conjuntos musicais formados por crianças e jovens abrilhantaram os cultos com cânticos singelos e vozes bem afinadas. Mas hoje a realidade é bem diferente na maioria das Igrejas Presbiterianas por todo o país.

A situação enfrentada pelas Sociedades Internas na IPB é deveras preocupante. Há vozes na denominação que defendem a extinção das Sociedades Internas e a substituição por outros modelos. Há até Igrejas que já implantaram outros sistemas em detrimento das Sociedades. Há outras igrejas em que as sociedades acabaram e nenhum modelo novo foi implantado. E há muitas igrejas onde as Sociedades Internas caminham em petição de miséria. O que fazer? Há solução para as Sociedades Internas na Igreja Presbiteriana? Elas deveriam ser extintas? Eis alguns questionamentos que merecem respostas.

Em primeiro lugar, quero deixar a minha opinião de que não creio que as Sociedades Internas devam ser extintas. Elas são muito úteis às igrejas locais e à IPB. O modelo é excelente. A grande questão é que o modelo precisa ser revitalizado, e o objetivo original precisa ser resgatado. A história mostra que as Sociedades Internas nasceram do desejo de crentes em diversas regiões do país de se organizarem para trabalharem na obra de Deus. Assim nasceu a SAF, por exemplo: “As senhoras, membros da Igreja Presbiteriana de Pernambuco, reuniram-se em uma Associação Evangélica, com o fim de estudos bíblicos e arrecadação de fundos para auxílio aos necessitados e à Igreja e, no dia 11 de novembro de 1884, houve a reunião de instalação desta Associação, tendo sido eleita Presidente a Sra. Carolina Smith. Temos aí a primeira SAF. Após esta muitas outras foram sendo organizadas e hoje temos Sociedades Auxiliadoras Femininas em todos os rincões de nosso país”.

Uma história parecida pode ser contada no surgimento da UMP: “Em 1936 os jovens das centenas de igrejas presbiterianas do Brasil já estavam se organizando sob vários nomes, como por exemplo: Sociedade de Jovens, Sociedade Heróis da Fé, Sociedade Esforço Cristão, etc. O Supremo Concílio então recomendou que os pastores dessem todo o apoio para que os jovens se organizassem em cada igreja sob o nome de União da Mocidade Presbiteriana (UMP)”.

A UPA nasceu em 1967, a partir da visão de uma irmã, membro da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, que “sempre chegando mais cedo aos cultos, percebeu a necessidade de se trabalhar com o grande número de adolescentes que também chegavam mais cedo e que não possuíam nenhuma atividade direcionada. Preocupada com essa questão, Dona Dorcas solicitou o uso de um dos salões da igreja, para se reunir com os adolescentes”. A preocupação da irmã era ensinar aos adolescentes oportunidades para evangelismo pessoal, gincanas bíblicas, louvor, teatro entre outras atividades.

Percebe-se que as Sociedades Internas nasceram a partir de inquietações de membros de igrejas, inflamados pelo desejo de contribuir com a obra de Deus nas igrejas locais. As Sociedades Internas nasceram não como um fim em si mesmas, mas com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento das igrejas locais. Isto fica evidente quando o Manuel Unificado das Sociedades Internas define os objetivos específicos dessas Sociedades: a) cooperar com a Igreja, como parte integrante da mesma, nos seus objetivos de servir a Deus e ao próximo em todas as suas atividades, promovendo a plena integração de seus membros; b) incentivar o cultivo sadio de atividades espirituais, evangelísticas, missionárias, culturais, artísticas, sociais e desportivas; c) promover uma salutar convivência com os outros Departamentos e Organizações da IPB e também com denominações evangélicas fraternas.

O que percebemos em nossos dias é um esfriamento preocupante de muitos membros das igrejas locais em relação às Sociedades Internas, e um desinteresse abismal de muitos líderes e Concílios em discutir sobre esse assunto. Estamos assistindo passivos à desconstrução do modelo de Sociedades Internas sem oferecer qualquer resistência no sentido de fortalecer ou revitalizar o sistema. A engrenagem formada pelas Sociedades Internas está parando, e junto com ela, a IPB. É necessário criar mecanismos que fortaleçam as Sociedades Internas na nossa Igreja. É urgente que a IPB faça uma reflexão sobre esse assunto e planeje ações intensas a fim de reerguermos as Sociedades Internas. Sou contra a extinção delas, mas não creio que o modelo, do jeito que está, dure muito tempo. É preciso pensar e agir rápido.

As Sociedades Internas são importantes instrumentos para a formação de lideranças nas Igrejas locais. É nas reuniões e Congressos que muitos jovens aprendem a liderar. Nas Sociedades Internas podemos ensinar nossos jovens não apenas como presidir reuniões, mas como liderar equipes. Crianças, adolescentes e jovens treinados pelas Sociedades Internas terão condições de ser os futuros líderes das igrejas locais. Muitas Igrejas Presbiterianas pelo Brasil não têm homens para assumirem o presbiterato e o diaconato. Isto é resultado de falta de preparo de novas lideranças nas Sociedades Internas.

As Sociedades Internas são importantes instrumentos para evangelização. Através das Sociedades Internas a IPB pode alcançar estrategicamente diversos segmentos da sociedade. Crianças evangelizando crianças, adolescentes evangelizando adolescentes, e o mesmo acontecendo com jovens, homens e mulheres. É necessário haver organização e equipamento para tais ações, por isso os Conselhos precisam trabalhar com planejamento.

As Sociedades Internas são importantes ferramentas para desenvolvimento de dons e ministérios. Não há necessidade de substituir as Sociedades Internas pelo modelo de ministérios, pois cada crente pode, na Sociedade Interna correspondente à sua faixa etária, desenvolver o seu dom. É necessário haver mecanismos para se descobrir esses dons e oportunidades para que sejam desenvolvidos.

Creio que a discussão em torno das Sociedades Internas é muito mais abrangente. Por isso acredito que a IPB não pode continuar passiva em relação ao tema. Precisamos de um olhar consciente na nossa realidade e, ao mesmo tempo, uma ação estratégica a fim de se descobrir fórmulas para se revitalizar as Sociedades Internas. Que tenhamos coragem de começar a agir. Acredito que será muito difícil manter uma estrutura gigantesca como a IPB, se continuarmos perdendo a força das Sociedades Internas. “Mãos ao trabalho, todos!”

terça-feira, 10 de novembro de 2009

“EM TUDO” E NÃO “POR TUDO”: O SEGREDO DA GRATIDÃO.


Estes últimos dias não têm sido muito fáceis. Nada tão cruel ou desesperador, mas algumas lágrimas já escorreram dos meus olhos. São momentos como aqueles que todos passam de vez em quando.

Em momentos assim, infelizmente, o pior que há em nossa natureza é exposto. A gente tenta domar certos sentimentos, mas eles reagem com força e mostram suas garras. Um desses sentimentos que experimentei foi a murmuração. E que sentimento ruim é este!

A murmuração é um tipo de pichação na alma. Ela suja, mancha, polui os sentimentos mais nobres. A murmuração revela que há segredos obscuros na nossa intimidade que só são descobertos quando nos sentimos ameaçados, desprotegidos e carentes.

Foi num desses momentos que li um capítulo do livro Cristianismo Radical, de Jim Burns, cujo título é “Gratidão”. Ali Jim Burns expõe sua dificuldade com a gratidão assim como eu e qualquer mortal está propício a experimentar. Ser agradecido a Deus diante de circunstâncias difíceis é um grande desafio, uma árdua tarefa. É mais fácil murmurar, reclamar. É mais natural, mais cômodo.

O apóstolo Paulo ensinou: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus, em Cristo Jesus, para convosco” (1 Ts 5. 18). E Paulo tinha autoridade para falar sobre esse assunto, pois ele havia aprendido a viver contente “em toda e qualquer situação” (Fp 4. 11), coisa que eu luto para aprender, mas não consigo.

Quando o apóstolo disse para darmos graças, obviamente ele não queria exigir de nós uma atitude sobre-humana nesta matéria. Creio lucidamente que o que o apóstolo esperava não era uma reação anestésica diante do sofrimento, um tipo de fé psicodélica que nos imunizasse em relação à dor e ao sofrimento. Foi por isso que ele disse: “Em tudo dai graças”, e não: “Por tudo dai graças”.

Há uma grande diferença nessas duas frases. Dar graças “por tudo” seria exigir algo que nenhum ser humano, em sã consciência, seria capaz de fazer. Não damos graças pela morte precoce de um familiar, pela tragédia que vitima crianças, pela catástrofe que assassina velhos, nem por vicissitudes que esmagam nossos sentimentos. Não somos capazes de agradecer “por tudo”. Creio, mais lucidamente, ainda, que o Deus que nos fez simplesmente humanos reconhece que tal capacidade faria de nós super-humanos. E Deus não exige de nós aquilo que ele sabe que nós não somos capazes de fazer. Por isso, através do apóstolo, ele exortou: “Em tudo dai graças”.

A diferença não está apenas nas preposições, mas na atitude. Dar graças “em tudo” é reconhecer, em meio a quaisquer circunstâncias, que há um propósito e haverá um recurso. É crer de maneira segura que Deus proverá o necessário, apesar das circunstâncias não preverem. Dar graças “em tudo” nos permite chorar, lamentar, sentir a dor. Dar graças “por tudo” roubaria de nós a sensibilidade e o prazer de dizer: “Dói muito”.

Há muitas pessoas que confundem gratidão “em tudo” e gratidão “por tudo”. Por isso passam a maior parte da vida frustradas por não saberem interpretar com sabedoria as situações que enfrentam. Querem agir como super-humanos, quando devem ser apenas humanos, frágeis, sensíveis. Querem ter uma expressão irredutível de força e equilíbrio, quando na verdade podem chorar e expressar verdadeiramente o que se passa na alma. Dar graças “por tudo” significaria ter sempre um sorriso nos lábios e uma piada pronta para enfrentar as calamidades. Dar graças “em tudo” permite o pranto na noite, na esperança de que a alegria virá pela manhã. Dar graças “por tudo” seria ignorar que há tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de saltar de alegria”. Dar graças “por tudo” significaria que o tempo seria sempre o mesmo. Dar graças “por tudo” igualaria todas as circunstâncias, nivelando as reações, produzindo uma estabilidade incompatível com a natural anormalidade da vida humana. Dar graças “em tudo” nos ensina que a diferença na vida não é passar ou não pelos vales, mas como passar por eles. Dar graças “em tudo” nos permite conjugar choro e fé, lamento e esperança, crise e conforto, medo e paz numa sintonia que não compromete nem desqualifica a nossa fé.

Jim Burns disse que “a gratidão é um atributo que transcende as circunstâncias”. Sim, mas não as anula. As circunstâncias permanecem lá, às vezes sombrias, dolorosas, cruéis, avassaladoras. Mas a gratidão nos faz olhar além das circunstâncias. A gratidão não é um anestésico, um entorpecente espiritual. Gratidão é olhar a dor, mas enxergar além da dor; gratidão é sentir a perda, mas ver além da perda; gratidão é passar pelo sofrimento, mas avistar além do sofrimento. Ser grato é saber compreender o propósito, mesmo sem saber o porquê. É crer, ainda que sem entender, que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. Ser grato “em tudo” é saber que, sejam quais forem as circunstâncias, haverá ainda um motivo para continuar a vida. Que as circunstâncias podem nunca mudar, mas nós podemos mudar a atitude em meio a elas. Isto é ser grato “em tudo”. Este é o segredo da gratidão. Isto faz uma grande diferença! E tem feito diferença na minha vida, nestes últimos dias.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

“SOBRE O ESPAÇO, SONHADORA E BELA!”. A GRAÇA COMUM EM VILLA LOBOS


Os teólogos chamam de graça comum a influência geral do Espírito Santo que oferta a todos os homens a possibilidade de experimentar algumas bênçãos da parte de Deus. A Bíblia diz que “Deus faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5. 45). Esta bendita providência sobre os incrédulos não lhes confere qualquer recurso contra a essência pecaminosa, nem é capaz de produzir a genuína conversão deles. É somente através do poder iluminador do Espírito Santo, que torna efetiva a pregação do Evangelho, que o não regenerado pode experimentar a verdadeira transformação espiritual. Todavia, a graça comum é aquela bendita manifestação da Graça de Deus, oferecida a fim de “restringir a devastadora influência e desenvolvimento do pecado no mundo, e para manter, enriquecer e desenvolver a vida da humanidade em geral e dos indivíduos componentes da raça humana” (Louis Berkhof). De acordo com o teólogo Loraine Boettner, “entre as bênçãos mais comuns que devem ser atribuídas à esta fonte, podemos enumerar a saúde, a prosperidade material, a inteligência em geral, os talentos para a arte, música, oratória, literatura, arquitetura, comércio, invenções e etc. (...) A graça comum é a fonte de toda a ordem, o refinamento, a cultura, a virtude comum, etc., que encontramos no mundo, e através dela é que o poder moral da verdade no coração e na consciência é aumentado, e as paixões maléficas dos homens são restringidas. Ela não leva à salvação, mas livra esta terra de transformar-se em inferno”.

Recentemente ouvi algumas das composições de Villa Lobos. Soaram leve e encantadoramente agradáveis aos ouvidos e à alma. Uma beleza tão rara que não poderia ser produzida sem qualquer influência divina.

Heitor Villa Lobos não entendia esse conceito de graça comum, mas foi alvo dela. As suas Bachianas nasceram, creio, sob a influência da graça comum de Deus. Ouvi-las é ter a certeza de que, conforme disse Boettner, a terra só não é um inferno porque Deus intervém com a sua graça. E que graça! Ainda que comum, na linguagem teológica; mas sobrenaturalmente encantadora.

“Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente. Sobre o espaço, sonhadora e bela! Surge no infinito a lua docemente, Enfeitando a tarde, qual meiga donzela. Que se apresta e a linda sonhadoramente, Em anseios d'alma para ficar bela. Grita ao céu e a terra toda a Natureza! Cala a passarada aos seus tristes queixumes, E reflete o mar toda a Sua riqueza... Suave a luz da lua desperta agora. A cruel saudade que ri e chora! Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente. Sobre o espaço, sonhadora e bela!” (Bachianas Brasileiras nº 05 - Heitor Villa Lobos).

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

CATOLICISMO ROMANO E PROTESTANTISMO: O QUE NOS SEPARA É MAIOR DO QUE O QUE NOS UNE.

Catolicismo Romano e Protestantismo são realidades antagônicas. O ecumenismo é uma armadilha, uma cilada armada a fim de abolir os debates em torno das diferenças. Sob o disfarce de piedade, o ecumenismo ganha espaço entre a cristandade, ignorando as fronteiras fundamentais que dividem a verdade das falácias, na tentativa de extinguir diferenças essenciais, sem as quais se tornará difícil conhecer a verdadeira fisionomia do Cristianismo. As diversas tentativas de aproximação entre o Catolicismo Romano e o Protestantismo têm sido promovidas sob a utopia de que “o que nos une é maior do que o que nos separa”. Esta miragem revela o que o teólogo reformado John W. Robbins chama de “tendência da natureza humana pecaminosa de afastar-se do Evangelho objetivo para o subjetivismo religioso, de deslocar o foco central de Cristo para a experiência cristã”.

Há alguns anos atrás li um texto de John Robbins: “Evangelicalismo, Movimento Carismático e retorno a Roma”. No texto, Robbins afirma que tem havido, nos últimos 400 anos, uma forte tendência no âmbito do Movimento Protestante, de se “corroer a ênfase objetiva da doutrina reformada de justificação somente pela fé”, e que “isto não passa de uma volta ao romanismo”. Fazendo uma análise do movimento Carismático e Pentecostal na América, Robbins conclui que o tipo de evangelicalismo hodierno, capitaneado pelo neopentecostalismo, caminha a passos largos rumo ao romanismo, não sendo capaz de fazer nada no sentido de perturbar a fé católico-romana e suas igrejas e tradições.

A verdade das palavras de Robbins pode ser percebida no recente episódio envolvendo dois expoentes da música religiosa brasileira. André Valadão, um dos integrantes do grupo evangélico Diante do Trono participou de uma apresentação ao lado do grupo católico Rosa de Saron em junho deste ano. Os católicos interpretaram o evento como um “belo momento que nos mostra que pode existir unidade na multiplicidade”. Já André Valadão justificou o acontecimento, argumentando que “o que nos une é maior que o que nos separa”, e que “a nossa fé pode gerar em nós, amizade, maturidade e comunhão”.

Os argumentos utilizados por ambas as partes soam bonito, são eloqüentes e românticos, mas ignoram elementos fundamentais que identificam tanto o Protestantismo como o Catolicismo Romano, e esses elementos não desaparecem quando um grupo de jovens se reúne em um palco para cantar uma canção. Na verdade, creio que é necessário que conheçamos o que divide o Catolicismo Romano do Protestantismo para entendermos que não haverá qualquer possibilidade de unidade enquanto a Verdade não for sustentada plenamente por ambas as partes, pois, não pode haver unidade fora da Verdade. Portanto, creio que o que separa o Catolicismo Romano do Protestantismo é muito maior do que qualquer aparência que os una.

1) Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na ênfase em torno das Escrituras. No Catolicismo Romano, as Escrituras ocupam lugar de menos importância em matéria de fé e prática do que no Protestantismo. O Catolicismo Romano ensina que “A Igreja não deriva a sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado somente da Sagrada Escritura”, considerando anátema aqueles que crêem que a Bíblia é a única regra de fé e prática. As tradições têm o mesmo peso de revelação que as Escrituras no Catolicismo. Em direção oposta, e de acordo com a própria Escritura, o protestantismo afirma que “Sob o nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Velho e do Novo Testamento todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e de prática” (Confissão de Fé de Westminster, capítulo 1, II) .
2) Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na visão de interpretação das Escrituras. O Catolicismo Romano crê no Magistério da Igreja, segundo o qual "O ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, isto é, foi confiado aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma”. O Protestantismo, em oposição, afirma que “A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus” (Confissão, 1. IV).

3) Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na aceitação do Cânon das Escrituras. O Catolicismo Romano acrescentou livros não inspirados ao cânon das Escrituras, utilizando-se deles para defender dogmas que contrariam o ensino da própria Escritura. O Protestantismo discorda do Catolicismo Romano, afirmando que “Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do cânon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como escritos humanos” (Confissão, 1. III).

4) Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na crença na justificação. O Catolicismo Romano defende teses contraditórias ao ensino bíblico, afirmando que a justificação pode ser adquirida por meio de indulgências concedidas pela igreja aos vivos, e até mesmo àqueles que já morreram: “A indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa, (remissão) que o fiel bem-disposto obtém, em condições determinadas, pela intervenção da Igreja que, como dispensadora da redenção, distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações (isto é, dos méritos) de Cristo e dos santos (...) A indulgência é parcial ou plenária, conforme liberar parcial totalmente da pena devida pelos pecados (...) Todos os fiéis podem adquirir indulgências (...) para si mesmos ou aplicá-las aos defuntos. Uma vez que os fiéis defuntos em vias de purificação também são membros da mesma comunhão dos santos, podemos ajudá-los entre outros modos, obtendo em favor deles indulgências para libertação das penas temporais devidas por seus pecados". O Protestantismo, em conformidade com o ensino apostólico afirma que a justificação vem somente pela fé, e que “Os que Deus chama eficazmente, também livremente justifica. Esta justificação não consiste em Deus infundir neles a justiça, mas em perdoar os seus pecados e em considerar e aceitar as suas pessoas como justas. Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita, mas somente em consideração da obra de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o ato de crer ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o recebem e se firmam nele pela fé, que não têm de si mesmos, mas que é dom de Deus” (Confissão, 11, I).

5) Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na crença na suficiência de Cristo na Salvação. O Catolicismo Romano não crê na suficiência de Cristo para a Salvação, colocando Maria numa posição que a Bíblia não lhe oferece, assegurando-lhe a condição de mediadora e intercessora. Segundo a crença do Catolicismo Romano, "De modo inteiramente singular, pela obediência, fé, esperança e ardente caridade, ela [Maria] cooperou na obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas. Por este motivo ela se tornou para nós mãe na ordem da graça." Em direção contrária, mas em acordo com o ensino apostólico, o Protestantismo afirma: “Aprouve a Deus em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado” (Confissão, 8, I).

6) Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na doutrina da regeneração batismal. De acordo com o Catolicismo Romano, “Nosso Senhor ligou o perdão dos pecados à fé e ao Batismo (...) No momento em que fazemos nossa primeira profissão de fé, recebendo o santo Batismo que nos purifica, o perdão que recebemos é tão pleno e tão completo que não nos resta absolutamente nada a apagar, seja do pecado original, seja dos pecados cometidos por nossa própria vontade, nem nenhuma pena a sofrer para expiá-los (...)Pelo Batismo, todos os pecados são perdoados”. O Protestantismo, por sua vez, afirma que, “Posto que seja grande pecado desprezar ou negligenciar esta ordenança [o batismo], contudo, a graça e a salvação não se acham tão inseparavelmente ligadas com ela, que sem ela ninguém possa ser regenerado e salvo os que sejam indubitavelmente regenerados todos os que são batizados” (Confissão, 28, V).

7) Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na crença no Purgatório. Para o Catolicismo Romano, “Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do Céu. A Igreja denomina Purgatório esta purificação final dos eleitos”. O ensino Protestante é absolutamente incompatível com esta instrução: “As almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas na santidade, são recebidas no mais alto dos céus onde vêm a face de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção dos seus corpos; e as almas dos ímpios são lançadas no inferno, onde ficarão, em tormentos e em trevas espessas, reservadas para o juízo do grande dia final. Além destes dois lugares destinados às almas separadas de seus respectivos corpos as Escrituras não reconhecem nenhum outro lugar” (Confissão, 22, I).

8) Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na crença na infalibilidade Papal. Para o Catolicismo Romano, o Papa tem poder supremo na Igreja, sendo que “o Pontífice Romano, em virtude de seu múnus de Vigário de Cristo e de Pastor de toda a Igreja, possui na Igreja poder pleno, supremo e universal. E ele pode exercer sempre livremente este seu poder”. Para o Protestantismo, “Não há outro Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo; em sentido algum pode ser o Papa de Roma o cabeça dela, mas ele é aquele anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo o que se chama Deus” (Confissão, 25, VI).

Ainda há muitos outros pontos que dividem o Catolicismo Romano do Protestantismo. Poderíamos ainda dizer que Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na veneração aos Santos e a Maria; que Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na crença na imaculada conceição, na virgindade eterna e na assunção corpórea de Maria; que Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na crença a respeito da Eucaristia; que Catolicismo Romano e Protestantismo se separam no entendimento do perdão de pecados; que Catolicismo Romano e Protestantismo se separam na questão das indulgências, e em muitas outras doutrinas e práticas irreconciliáveis. Qualquer proposta de aproximação entre o Catolicismo Romano e o Protestantismo que ignore essas diferenças não poderá ser levada a efeito sem constituir-se num desprezo acintoso à Verdade absoluta revelada nas Escrituras Sagradas. E unidade sem a Verdade é falácia.

Retorno a John W. Robbins que, falando sobre a união entre o Catolicismo e o Protestantismo, acertadamente afirma: “Essa união não está fundamentada na verdade objetiva, mas na experiência subjetiva (...) É tudo na base do ‘já que é assim, então é desse jeito’, uma volta ao misticismo mediedal, efeminado, sentimental. Não é de estranhar que um dos pontos de diálogo entre os líderes pentecostais e os da Igreja Católica Romana é a semelhança notável entre o pentecostalismo e o misticismo católico. O fato aterrador é que o desmoronamento das resistências protestantes ao movimento carismático ilustra a decadência das igrejas protestantes. Até mesmo o termo Protestante está se tornando uma palavra suja. E ser crítico ao romanismo virou agora uma obscenidade nos círculos evangélicos”.

Vejo na aproximação entre Valadão e o Rosa de Saron um cumprimento das palavras de Robbins. Não há nada a ser comemorado pelos Protestantes, apenas a se lamentar. Para que tal encontro fosse possível, alguém teve que abrir mão de algo muito precioso. Como não vejo nada de precioso no Catolicismo Romano, é uma pena que Valadão tenha desprezado os valores tão caros do Protestantismo em nome de um embuste. “Os últimos dias serão marcados por grandes decepções religiosas”, disse John Robbins. André Valadão é uma delas.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

IPB SE MANIFESTA SOBRE ACORDO ENTRE O BRASIL E O VATICANO

Manifesto da Igreja Presbiteriana do Brasil sobre o acordo firmado entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, e a “Lei Geral das Religiões” (Projeto de Lei n.º 5.598/2009 e o PLS 160/2009)

A IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL, representada pelo Presidente do seu Supremo Concílio, diante do momento atual, em que forças organizadas da sociedade manifestam sua preocupação pela aprovação do texto do Acordo que vem labutar contra a laicidade do Estado Brasileiro e cercear a liberdade religiosa através de manifesta preferência e concessão à Igreja Católica Apostólica Romana de privilégios por parte do Estado Brasileiro, em face dos termos do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, firmado no dia 13 de novembro de 2008, vem a público, considerando que:
I. - O Vaticano, embora um Estado Soberano e Pessoa Jurídica de Direito Público Internacional, é a sede política e administrativa da religião Católica Apostólica Romana e, portanto, um Estado Teocrático. Todo acordo entre Ele e o Brasil que contemple matéria envolvendo assuntos referentes à dimensão da fé e não a assuntos temporais agride o princípio da separação entre Estado e Igreja, que é uma conquista obtida pela nação brasileira e se constitui na base da nossa República;
II. - Para Igreja Católica Apostólica Romana, as demais religiões e seus ritos próprios são apenas “elementos de religiosidade” preparatórios ao cristianismo verdadeiro, do qual ela é exclusiva detentora: “Com efeito, algumas orações e ritos das outras religiões podem assumir um papel de preparação ao Evangelho, enquanto ocasiões ou pedagogias que estimulam os corações dos homens a se abrirem à ação de Deus. Não se lhes pode, porém atribuir à origem divina nem a eficácia salvífica ex opere operato, própria dos sacramentos cristãos. (DECLARAÇÃO "DOMINUS IESUS" SOBRE A UNICIDADE E A UNIVERSALIDADE SALVÍFICA DE JESUS CRISTO E DA IGREJA);

III. - A identidade jurídica peculiar do Vaticano, a apresentar-se ora como Estado, ora como Religião, facilita a tentativa de ingerência e pode confundir administradores sobre os limites das concessões, quando tratam de assuntos que transcendem aqueles meramente administrativos e temporais. E, por ser o Vaticano um Estado, não pode impor ao Estado Brasileiro a aceitação de sua religião e da Igreja que representa para a obtenção de privilégios e vantagens diferenciadas;
IV. - É inegável que tal Acordo é flagrantemente inconstitucional, pois fere a Constituição da República, que destaca em seu artigo 19: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-las, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (..); III– criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. Ora, o Estado do Vaticano é o REPRESENTANTE da Igreja Católica Apostólica Romana. O ACORDO, portanto, é INCONSTITUCIONAL e não pode prosperar num Estado Democrático de Direito, pois fere a cláusula pétrea da Constituição da República no caput do Artigo 5º, ou seja, o princípio Constitucional da ISONOMIA;

V. - Que o referido Acordo Internacional nos artigos 7º, 10º e, principalmente, 14º, impõe DEVERES ao Estado Brasileiro para com a Igreja Católica Apostólica Romana nos planejamentos urbanos a serem estabelecidos no respectivo PLANO DIRETOR, que deverá ter espaços destinados a fins religiosos de ação da Igreja Católica Apostólica Romana, contemplando a referida Igreja com destinação de patrimônio imobiliário;

VI. - O termo católico após a expressão “ensino religioso”, contido no Acordo, afronta a previsão do § 1º do artigo 210 da Constituição da República, que preceitua: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. O Acordo com a Santa Sé consignou no § 1º do artigo 11 que: “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental...”. Trata-se de evidente discriminação religiosa;
VII. – a aprovação pelo Congresso Nacional do referido Acordo conferiu privilégios históricos à Igreja Católica Apostólica Romana em nosso País reconhecendo-os como direitos, constituindo norma legal, uma vez que acordos internacionais, conforme a Constituição de 1988, têm força de lei para todos os fins. Aquilo que a história legou, a cultura vem transformando e o Direito não pode aceitar por consolidar dissídio na sociedade brasileira, que tem convivido de forma tolerante com o legado, mas não o admitirá como imposição contrária ao direito à liberdade de consciência, de crença e de culto, amparado pela Carta Magna e pelo Direito Internacional;
VIII. - De igual forma, o Projeto de Lei n.º 5.598/2009 e o PLS 160/2009 denominado “Lei Geral das Religiões”, já aprovado pela Câmara Federal e pelo Senado, mero espelho do Acordo, incorre nos mesmos equívocos de inconstitucionalidade e desprezo à laicidade do Estado Brasileiro, estendendo as pretensões da Igreja Católica Apostólica Romana a todos os demais credos religiosos. O nivelamento no tratamento pelo Estado às religiões não pode ser amparado por fundamentos manifestamente inconstitucionais que agridem a soberania do Brasil e retrocede-nos ao indesejável modelo do “padroado” no Império.
Ante o exposto, em consonância com a Palavra de Deus, sua única regra de fé e prática, e com a sua doutrina, a IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL manifesta-se contra a aprovação do Congresso Nacional do referido Acordo Internacional ou de qualquer norma legal que privilegie determinada religião/denominação em detrimento de outras; não considerando a cidadania dos ateus e agnósticos também presentes no Brasil, consagrando ingerência de Estado Estrangeiro sobre o Estado Brasileiro e afrontando a separação entre o Estado e a Igreja, preservada em todas as Cartas Constitucionais da República Brasileira.
A IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL reitera sua submissão e intercessão em favor das autoridades constituídas, mas não abre mão de seu ministério profético nesta geração a denunciar todo e qualquer desvio contrário ao Estado de Direito e à Lei de Deus. Brasília – DF, outubro de 2009
Rev. Roberto Brasileiro Silva
Presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil

terça-feira, 20 de outubro de 2009

DO SAGRADO AO PROFANO: A TRAGETÓRIA DE UMA MÚSICA EVANGÉLICA


“Como Zaqueu, quero subir, o mais alto que eu puder, só pra te ver, olhar para ti; e chamar sua atenção para mim”. Assim começa uma das canções mais populares do repertório gospel dos últimos anos. Escrita e interpretada pelo cantor mineiro Regis Danese, a música virou febre nas rádios e passou a ser repetida como mantra nas igrejas evangélicas. Parecia um cântico dos anjos. A simplicidade da letra e a melodia comovente alçaram a canção aos patamares do sucesso e consagraram o cantor mineiro, que recebeu indicação ao Grammy Latino como melhor álbum cristão em língua portuguesa, ganhando versões no catolicismo carismático, no axé, no forró e no pagode.

A música de Regis Danese foi recebida por muitos evangélicos como uma espécie de revelação divina. Abençoada, maravilhosa, tocante, espiritual, inspirada; esses foram alguns predicados recebidos pela canção. Se cantei na Igreja? Sim, confesso. Apesar de haver quem critique a hermenêutica do querer subir mais alto para ver Jesus e chamar sua atenção, não vi tanto problema assim. Há coisas igualmente questionáveis, praticamente canonizadas nos nossos hinários, e ninguém pensa em tirá-las de lá. Mas isso é outro assunto.

No entanto, hoje as coisas mudaram. A canção de Regis Danese ultrapassou o patamar do sagrado e tornou-se profana. Seria por causa da hermenêutica? Não. O problema é que encontraram na canção uma mensagem satânica.

Recebi um e-mail com um anexo, em que a canção aparece invertida por um recurso eletrônico. Uma legenda sugere que, por trás da letra sagrada há uma mensagem profana que exalta Satanás, mais ou menos assim: “Ergas, me unjas. Glória a mim, pois estou contigo. Esta aqui nossa Madre. Só a satã adorarás. Naruto. Shine. Moon. Shade. E farei nanar-te. Desista rápido. Satã está aqui. Já misturei em vós. Belzebu já chegou. E nada pode livrar Yeshua Ha Machi. Estarei aqui. O fim está próximo. E por tudo isso, cultuar-se-á a mim. E possuirei sua casa e o mundo...”. O cântico dos anjos virou música dos demônios, e o encanto de antes transformou-se em terrorismo tipicamente evangélico.

O interessante é que as mesmas pessoas que chamavam a canção de abençoada e outros atributos, hoje espalham e-mails condenando-a. E o pior é que quem encontrou a mensagem parece ser dotado de uma criatividade dantesca para descobrir uma comunicação infernal num emaranhado de sons ininteligíveis.

Pergunto: será possível que o povo evangélico é tão simplório ao ponto de ainda acreditar nessas esquisitices? Será possível que as opiniões sejam tão frágeis a ponto de mudar assim tão rapidamente?

Quem se dá ao trabalho de procurar mensagens satânicas ouvindo músicas de trás para a frente deveria preocupar-se com coisas mais importantes, ou, no mínimo, questionar a sua sanidade. E quem se deixa levar por esse tipo de bobagem deveria procurar amadurecer. É vergonhoso observar que muitos crentes sejam tão volúveis, instáveis e sem opinião própria. É impressionante como faltam convicções pessoais a muitos crentes. Qualquer vento diferente muda por completo o curso das crenças e das mentes. Falta-nos um pouco mais de senso crítico.

Que a música evangélica brasileira não é nenhum primor de qualidade a gente já sabe. Ouvir muitas delas de frente para trás já é um suplício; mas ouvir ao avesso e atribuir a elas mensagens satânicas ocultas já é demais. Para longe os hermeneutas do Sound Forge. O diabo tem mensagens muito claras propagadas por aí. Enquanto a gente perde tempo ouvindo disco de trás para frente, o diabo fala o que quer em alto, bom som e português claro.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

PASTORES NEOPENTECOSTAIS SÃO DIZIMISTAS?


O neopentecostalismo caracteriza-se, entre outras coisas, pelo intenso apelo por doações de dízimos e ofertas em seus cultos. Inflamados pela Teologia da Prosperidade, que proclama que todos os crentes devem ser bem-sucedidos financeiramente como prova da bênção de Deus, os pregadores desse segmento evangélico fazem severos apelos por doações em dinheiro, através de dízimos, ofertas, e outras contribuições. Já se tornaram comuns as notícias de escândalos envolvendo pastores neopentecostais no trato com o dinheiro arrecadado em diversas comunidades dessa fração do movimento evangélico.

Apesar dos escândalos noticiados, a pregação e os apelos dos pregadores neopentecostais continuam a todo vapor. Algumas seitas neopentecostais exibem templos suntuosos, abarrotados de gente disposta a doar o que tem e o que não tem para alcançar a tão sonhada “bênção da prosperidade”. Outras dessas seitas fazem em seus programas televisivos chamadas insistentes para que o povo encaminhe doações para abençoar a “obra de Deus”; algumas dessas doaçoes, inclusive, têm até valores estipulados, acima de quatro dígitos.

Tive a oportunidade de participar de encontros de algumas dessas seitas e comprovar, in loco, como são feitos esses apelos. Outras vezes assisti os apelos pela TV e o que me chamou a atenção é que eu nunca vi um pastor neopentecostal enfiar a mão no bolso e entregar qualquer dízimo ou oferta para, no mínimo, dar o exemplo aos fiéis. Eles sempre dizem o que tem de ser feito ou até o quanto deve ser doado, mas eles mesmos nunca doam. Será por quê? Pastores neopentecostais não são dizimistas? Se o dízimo é um dever dos crentes, e ofertar garante bênçãos como eles mesmos afirmam, por que eles mesmos não dizimam nem ofertam? Será que a ordem não vale para eles mesmos? Afinal, quem os isentou da obrigação?

Jesus certa vez condenou a atitude dos fariseus que estabeleciam leis para os outros, mas eles mesmos as burlavam sem qualquer constrangimento: “Atam fardos pesados e difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los” (Mateus 23. 4).

Pastores que obrigam o povo a contribuir com dízimos e ofertas e não fazem o mesmo comportam-se como os fariseus dos dias de Jesus. Muitos sugam todos os recursos de pessoas simples e ingênuas em nome de uma bênção que Deus nunca vai dar. Usam o nome de Deus para arrecadar quantidades exorbitantes de dinheiro, propõem sacrifícios absurdos que nada custam a eles próprios; e há muitos deles que enriquecem às custas da tosquia das pobres ovelhas.

Os pastores neopentecostais que tanto dizem crer na bênção de Deus aos dizimistas e ofertantes deveriam ser os primeiros a colocar a mão na carteira e oferecer as mais vultosas ofertas para a “obra de Deus”. Criar regras que servem para as ovelhas, mas não servem para os pastores é coisa de fariseu. E a esses, Jesus exorta: “Ai de vós”.

domingo, 4 de outubro de 2009

A BÊNÇÃO DE DEUS POR 900 REAIS


De tempos em tempos aparecem na Igreja supostos profetas anunciando um tipo de unção nova, revelações nunca dantes conhecidas, se apresentando como a resposta de Deus para os últimos dias. Esses mensageiros surgem com suas bravatas quando menos se espera, e promovem desordem na mente de muitos crentes, e o caos no seio da Igreja.

A nova versão dessa prática abominável chama-se Morris Cerullo, um evangelista norte-americano que tem viajado o mundo afirmando ter recebido uma revelação divina de que, no final desta década, haveria uma grande crise financeira mundial e muitos outros eventos catastróficos ocorreriam. Recentemente, Cerullo esteve no Brasil e apareceu num programa de televisão do pastor assembleiano Silas Malafaia.

Num vídeo que circula na internet, Cerullo aparece alegando ter recebido uma revelação de Deus há quinze anos atrás, em que Deus lhe teria ordenado que dissesse ao seu povo que nos últimos dias Deus tem reservado uma unção especial para liberar sobre o seu povo, algo que Deus nunca fez antes. Trata-se de uma unção financeira. De acordo com Cerullo, Deus lhe teria dito que levantaria o seu povo no meio de uma grande crise financeira como testemunho para o mundo; e assim como Deus tirou a riqueza das mãos dos egípcios e colocou nas mãos dos judeus, nestes últimos dias Deus vai retirar a riqueza das mãos dos ímpios e colocar nas mãos do seu povo.

Até aí nenhuma novidade. É a mesma cantiga tola do evangelho segundo os adeptos da teologia da prosperidade, entoada conforme a concepção abstrata e relativista do neo-pentecostalismo: uma suposta visão apregoada como nova revelação, sem qualquer base bíblica, e aquele enredo que todos conhecem bem. Tudo passaria despercebido, não fosse o fato de a bênção prometida por Cerullo ter um alto preço. De acordo com o pregador norte-americano, para se alcançar a tal "unção financeira dos últimos dias", o interessado deveria depositar a quantia de R$ 900,00 (isso mesmo, novecentos reais) na conta do programa de Silas Malafaia, e até o dia 1º de janeiro, todas as promessas de Deus ainda não cumpridas na vida do ofertante estariam liberadas, em nome do profeta Morris Cerullo.

Cerullo mostra que chegou ao valor de 900 reais a partir de uma interpretação dos números na Bíblia, segundo a qual, o número 9 significa, de acordo com o profeta, completo, cumprido, total. A questão é que em nenhum momento ele apresenta qualquer base para esta conclusão.

É preciso perguntar se essa tal unção financeira tem algum apoio bíblico? É necessário argumentar que a bênção de Deus não tem preço? Seria ainda necessário dizer que a pregação de Morris Cerullo se assemelha à venda de indulgências praticada na Igreja da Idade Média? Há, ainda, alguma razão para duvidar que esse senhor é mais um charlatão disfarçado de profeta? Seria ainda necessário dizer que a Igreja não deve ouvir esse tipo de profecia? Infelizmente, sim.

Há muitos que ainda crêem em tais alucinações. Há muitos que colocam suas esperanças em profetadas desse tipo e acabarão desiludidas, aumentando o número dos feridos em nome desse tipo de pregação falsa. Como escreveu Lutero em uma de suas 95 teses (n° 28), "certo é que, ao tintalar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça", mas o favor de Deus não pode ser comprado por dinheiro.
Silas Malafaia caiu no laço da Teologia da Prosperidade. Muitos crentes têm caído nesse laço diabólico armado contra a Igreja. E o pior, agora as pessoas têm de pagar caro para serem laçadas. E continuarão pagando um alto preço quando descobrirem que tudo não passa de enganação.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

PODE O CRENTE CELEBRAR SOZINHO A CEIA DO SENHOR?


Há alguns anos fui surpreendido por uma senhora, freqüentadora de uma igreja onde eu pastoreava, com a informação de que ela havia encontrado uma maneira bastante prática de participar da Santa Ceia. Impedida de receber o sacramento pelo fato de não ser membro da igreja, a senhora disse que, assistindo aos cultos do missionário R.R. Soares pela televisão, resolveu ela mesma preparar os elementos (pão e vinho), e celebrar junto com o pregador neo-pentecostal a comunhão, quando a cerimônia da Santa Ceia era transmitida pela TV.

Dias depois, na mesma cidade, uma outra senhora – esta, membro da igreja – relatou que usava da mesma prática. Impossibilitada de freqüentar regularmente os cultos devido a constantes enfermidades, a irmã raramente participava do sacramento junto com a igreja, sendo necessário que todos os meses eu fosse à sua residência levar os elementos, a fim de que ela pudesse compartilhar a experiência sacramental.

Nos dois casos, chamou-me a atenção o fato de a experiência comunitária ter sido facilmente substituída por um tipo de comunhão virtual, separada da jurisdição formal da Igreja. Para aquelas senhoras, a fé é uma experiência tão individual, tão singular que dispensa a união formal à igreja para celebrar o rito mais significativo da fé evangélica.

Essas situações expressam uma realidade crescente em nossos dias. Muitas pessoas têm substituído a congregação real pelas igrejas virtuais. A experiência de fé tem deixado de ser uma vivência comunitária para se transformar numa prática individualizada, e, às vezes, egocêntrica. O elemento particular da fé exclui, para muitos, a necessidade vital da comunhão com uma congregação.

A fé tem elementos muito particulares, é verdade. É uma experiência pessoal, sem dúvida. Ninguém pode ter fé pelo outro, nem afirmar, com certeza, que a fé alheia é pequena ou insuficiente. É individual. Mas não pode ser individualizada. Embora seja uma experiência pessoal, a fé cristã também é uma experiência comunitária. Deve ser exercida em comunidade.

A fé vivida de forma comunitária é um poderoso instrumento de proclamação evangélica (Rm 1. 8), além de ser um designativo dos crentes (Gl 6. 10). A unidade da fé (Ef 4. 13) é um sinal de maturidade espiritual, unidade alcançada no verdadeiro sentido comunitário de Igreja.

Uma das maiores expressões de fé do povo cristão é a Santa Ceia. Nela declaramos a nossa fé individual coletivamente. A fé demonstrada pelos meus irmãos é a mesma fé que eu professo. Isto torna a Santa Ceia um importante testemunho de fé comunitária.

O apóstolo Paulo condenou a visão dos coríntios de uma indidualização da fé na Santa Ceia: “Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia...” (1 Co 11. 21). Eles haviam transformado a eucaristia numa bênção meramente individual. Cada um celebrava a sua eucaristia e ao seu próprio modo. Não havia comunhão, de acordo com Charles Hodge, em seu comentário a 1 Coríntios, exatamente porque eles não comiam juntos. “Não eram todos participantes de um só pão. Não esperavam uns aos outros. Ao contrário, cada um tomava de sua própria ceia que havia trazido, antes que os demais pudessem unir-se”, afirma Hodge. Paulo chama isto de menosprezo à igreja (1 Co 11. 22).

Individualizar a fé eucarística é menosprezar o sentido comunitário da Santa Ceia, é menosprezar a igreja. É afirmar que os outros irmãos são indignos de comer conosco. É um menosprezo aos outros crentes. Para corrigir aquela visão distorcida, o apóstolo exorta: “Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros”. Isto para que o culto seja feito em conjunto, a fim de se comemorar com um só corpo a morte do Senhor.

O apóstolo Paulo (1 Co 11. 23 a 26) relembra a atitude de Jesus quando da instituição da Santa Ceia. Calvino comentando o texto diz que “Cristo, aqui, distribui o pão entre os discípulos a fim de que pudessem todos comê-lo juntos; e desta forma todos pudessem participar, e participar igualmente”. E conclui: “Portanto, quando uma mesa comum não é preparada para todos os que crêem, quando estes não são convidados a partir o pão comum, e quando, em resumo, os fiéis não compartilham uns com os outros, não há base para definir o processo como sendo a Ceia do Senhor”. Portanto, a celebração da Santa Ceia e a comunhão congregacional são elementos que foram unidos por Cristo na própria instituição da eucaristia. “Isto é o meu corpo que é dado por vós; comei dele todos”, disse Jesus. O significado destas palavras é que os participantes do pão devem ser, igualmente, participantes do corpo. “Assim, quando uma pessoa come o seu próprio pão, a promessa, neste caso, não se efetiva”, diz Calvino.

Nenhum crente, por mais piedoso que seja, está autorizado a celebrar a sua própria Santa Ceia, como se não dependesse da Igreja. Não é dada a cada crente a liberdade de oficiar nenhum dos sacramentos. Eles devem ser administrados pela Igreja constituída, através de seus ministros legitimamente ordenados, e não pelos crentes em particular. De acordo com a Confissão de Fé de Westminster, os sacramentos foram instituídos “para fazer uma diferença visível entre os que pertencem à Igreja e o resto do mundo, e solenemente obrigá-los ao serviço de Deus em Cristo, segundo a sua palavra”. Se as pessoas puderem celebrar a Santa Ceia quando quiserem em suas próprias casas, estaria excluída qualquer possibilidade de distinção.

Celebrar a Santa Ceia de maneira individualizada, além de ser uma desobediência à ordenança de Cristo e não produzir efeito algum, é um desmerecimento da Igreja como Corpo de Cristo. A caminhada cristã exige a convivência comunitária. A experiência de comunidade é imprescindível à formação e fortalecimento da maturidade cristã. Abrir mão disto é negar a história escrita pelos apóstolos sob a orientação e a bênção de Cristo, o Senhor da Igreja. Ser igreja individualmente não exclui a necessidade de ser igreja em comunidade. Deixar a congregação para viver uma fé individualista é errar contra as Escrituras que exortam: “Não deixemos de congregar-nos” (Hb 10. 25).

A igreja é uma comunidade de discípulos que vivem em sujeição mútua. O verdadeiro discipulado tem efeito e significado na experiência comunitária. Na cruz Jesus operou o milagre da graça a fim de vivermos comunitariamente a experiência de ser igreja. É um grande privilégio e uma grata satisfação poder reunir-nos, como Igreja, a fim de celebrarmos juntos a Ceia do Senhor, e proclamarmos, como um só corpo, a sua morte e ressurreição. Qualquer prática que elimine a necessidade da experiência comunitária não poderá ser considerada como celebração da Ceia do Senhor. Que me desculpem as irmãs mencionadas no início do artigo, mas o que elas celebraram não foi, de maneira alguma, o sacramento instituído por Cristo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O PECADO


Não há nada pior do que o pecado. E não há nada mais triste e horrendo do que a pecaminosidade. O pecado é uma mancha na alma; é desgosto e traição, é treva, é injúria; um acinte.

Todo pecado é o próprio pecado. Não há pecado pior do que o outro. Pecado é sempre pecado. Todo pecado é hediondo; todo pecado é criminoso; todo pecado é ofensivo; todo pecado é uma agressão à santidade de Deus.

Não existe algo do tipo pecadinho e pecadão. Não há, diante de Deus, pecado mais grave e pecado menos grave. Para Deus, pecado é sempre pecado, uma falta de conformidade com a sua vontade e uma transgressão da sua lei. Um tiro errado no alvo determinado.

O pecado é uma frustração, é uma tentativa do homem de ser o que ele não foi criado para ser. É uma busca por viver fora de um curso para o qual não há outra alternativa. O pecado não é uma segunda alternativa ao plano de Deus; é um desvio dele. É andar na contramão.

O pecado é mais do que um simples equívoco, mais do que um mero erro de cálculo. Pecado é algo muito mais sério; é um erro grave. Para o pecado não basta um simples pedido de desculpa; é necessário haver punição.

Pecado não é apenas um ato fortuito, mas um estado inevitável. É a condição de onde se projetam as ações pecaminosas.

O pecado não é um distintivo cultural, mas uma condição universal. Não é uma enfermidade que uns contraem e outros não. É uma doença que infectou todos os seres humanos, indistintamente. O pecado não é um infortúnio dos pobres, nem seqüela da riqueza. Não é fruto do meio, nem produto da injustiça econômica e social. Não é um espasmo temporário, mas uma moléstia constante.

O pecado submete o homem ao seu domínio. O homem está debaixo do pecado, está sujeito e submisso a ele, sob seu controle, sob seu comando.

O pecado não é um poder externo, mas habita dentro do homem, está enraizado nas fibras e células, radicado no DNA humano, arraigado no coração, e o ocupa como um inimigo ocupa um país.

O pecado produz estrago e morte aos homens e ira e indignação em Deus. O pecado nunca é inofensivo aos homens, e jamais imperceptível a Deus. Todo pecado causa dano ao pecador e seus semelhantes e ofende a Deus. Da mentirinha ao assassinato, do olhar malicioso ao adultério, do desejo secreto ao furto, todos os pecados são, essencialmente, desvios do propósito estabelecido por Deus.

O pecado é enganoso, produz uma falsa sensação de bem-estar, uma pífia impressão de prazer. O pecado é sempre uma mentira, uma ilusão, um engodo, uma quimera.

O pecado é irresponsável, é antinômico, é aversão ao que é legal, uma falsificação do que é legítimo; é oposição ao nobre, é o impulso ao prazer acima do dever; é injustiça, iniqüidade e desamor; é divida, ofensa e ultraje.

Só há um antídoto capaz de livrar o homem dessa enfermidade chamada pecado: o sangue de Jesus Cristo. Esse sangue purifica o homem de todo pecado, lava completamente de sua imundície. O sangue de Cristo liberta, desata, resgata e emancipa o homem do pecado. O sangue de Jesus é suficiente para pagar a dívida que o pecado contraiu. O sangue de Cristo confere o perdão que o pecado necessita, porque Cristo sofreu o castigo que o pecado merece.

O sangue de Cristo é a resposta de Deus ao pecado; a resposta definitiva. A única forma do homem livrar-se do domínio do pecado é render-se ao domínio de Cristo. Nele os efeitos do pecado são curados pelos efeitos da graça redentora. Onde sobejam os efeitos pecado, transbordam os resultados da remissão de Cristo. Cristo veio ao mundo para salvar pecadores do pecado, tirá-los de suas garras, libertá-los e conduzi-los de volta ao caminho traçado por Deus, e assegurar-lhes plena e irrevogável sentença de liberdade. E para que todos saibam que o pecado, por mais vil que seja, tem um limite, Deus encravou na história humana uma cruz na qual fixou a fronteira entre a enfermidade e a cura, a morte e a vida, a luz e as trevas, o desespero e a esperança, a desventura e a graça, o inferno e o céu. Para que todos compreendam que, maior do que o pecado, é a graça que o remove, e restaura definitiva e completamente aqueles a quem ela de destina.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

SOBRE AUTORIDADE E BOBOS DA CORTE


Uma reportagem da edição eletrônica do Diário de Canoas desta semana mostrou que um aluno de uma escola da cidade de Viamão, no Rio Grande do Sul, foi obrigado a limpar a pichação que fez na parede da sala de aula da escola onde estuda. De acordo com a reportagem, a escola havia acabado de ser pintada em um mutirão de pais, professores e alunos no feriado de 7 de Setembro. Foram necessários 8 meses para arrecadar cerca de mil e oitocentos reais para comprar todo o material necessário, além de muitas horas de trabalho voluntário.

De acordo com a professora, em entrevista a uma rede de televisão, o aluno teria afirmado que seria o primeiro a sujar as paredes da escola. Dito e feito. Um tempo depois apareceram nas paredes da escola marcas de pichação com o apelido do tal aluno. O garoto pichador levou uma bronca da professora e vice-diretora da escola, e as imagens da advertência foram parar na internet. Nas imagens o garoto de 14 anos aparece cobrindo as marcas nas paredes, e a professora dizendo que ele parecia um “bobo da corte fazendo palhaçada, estragando as coisas dos outros”.

A isso seguiu-se uma avalanche de opiniões sobre a atitude da professora. Para a mãe do estudante, o filho foi humilhado. Para alguns especialistas, a atitude da educadora expôs o menino a condição vexatória, contrariando o Estatuto que defende os direitos da Criança e do Adolescente, o ECA. Há outros que defendem a atitude da professora, e ela, por sua vez, reconhece que exagerou, mas defende-se argumentando que ficou indignada com desrespeito do garoto.

Eu também quero dar também a minha opinião. Se tivesse que escolher um lado para defender, certamente eu ficaria do lado da professora. Só quem milita na educação sabe a dificuldade que é manter uma escola limpa e organizada. Infelizmente, na maioria das vezes, o vandalismo que depreda e devasta as instituições de ensino públicas no Brasil é provocado pelos próprios alunos. A precarização do ensino por parte do Estado impede que as escolas recebam melhorias estruturais, acelerando a degradação dos espaços físicos agravando severamente a deficiência da educação pública. Resta aos educadores unir-se às comunidades locais em ações voluntárias para restaurar um pouco da dignidade das instituições públicas de ensino, preenchendo um vácuo deixado pela leniência e ineficiência do Estado. O que a professora de Viamão fez junto com a comunidade é digno de elogios diante da inércia do poder público. Gastar horas de serviço em pleno feriado para pintar a escola é, no mínimo, respeitável.

Respeito foi exatamente o que faltou ao aluno repreendido. Ao ameaçar que seria o primeiro a pichar a escola ele deixou claro seu completo descaso com o esforço alheio. E, ao consumar a ameaça, riscando as paredes, apostou suas fichas na impunidade, tão comum em casos de delinqüência juvenil no país.

É possível, sim, admitir certo exagero no ato da professora. Mas ele é totalmente justificável, em minha opinião, levando-se em consideração o desrespeito do aluno. A juventude do nosso tempo tem sido criada para não obedecer às regras, não respeitar limites e nem assumir a responsabilidade por seus atos. A cada dia surgem casos de adolescentes e jovens agredindo pessoas, depredando patrimônios públicos e privados ou, em casos mais extremos, roubando, matando e cometendo outros crimes, escondendo-se atrás de uma inexistente inocência, sendo defendidos e amparados por todos os recursos disponíveis, que terminam por legalizar a irresponsabilidade e autorizar a desordem. Não sou contra os mecanismos que defendam os direitos de crianças, adolescentes ou qualquer outro segmento da sociedade. Mas acredito que está na hora de falarmos também em deveres. Crianças e adolescentes têm direitos, sim, mas também têm deveres. Se eles não forem ensinados desde já que devem respeitar limites e agirem com responsabilidade, quando aprenderão? Se uma escola não pode ensinar regras elementares de responsabilidade e bons modos aos alunos, quem ensinará?

É certo que isso deveria ter sido ensinado pelos pais do garoto, mas o que se viu na reportagem foi uma mãe disposta a ir às últimas instâncias para defender o direito do filho e, em nenhum momento assegurando qualquer tipo de correção ao ato de vandalismo gratuito. As famílias têm perdido a condição de primeira escola do cidadão. Os pais têm deixado de ser educadores para se transformarem em defensores das traquinagens dos filhos. E a moçada, consciente da impunidade, revira a sociedade de cabeça para baixo sem a menor cerimônia, e sai rindo de deboche, porque desconhece as noções elementares de respeito e autoridade.

A escritora Lya Luft escreveu um excelente artigo na revista Veja desta semana (“Educação e autoridade”), no qual afirma que “o tema autoridade começa a ser um verdadeiro tabu entre nós”. Lya defende ainda que a educação e a noção de autoridade começam em casa. Permitam-me citar algumas partes do texto de Lya: “Na década de 60 chegaram ao Brasil algumas teorias nem sempre bem entendidas e bem aplicadas. O ‘É proibido proibir’, junto com uma espécie de vale-tudo. Alguns psicólogos e educadores disseram que não devíamos censurar nem limitar nossas crianças: elas ficariam traumatizadas (...) Resultado, crianças e adolescentes insuportáveis, pais confusos e professores atônitos: como controlar a má-criação dos que chegam às escolas, se uma censura séria por uma atitude grave pode provocar indignação e até processo por parte dos pais? (...) Meus anos de vivência mostraram que a meninada, que faz na escola ou nas ruas e festas uma baderna que ultrapassa o divertimento natural ao seu desenvolvimento mental e emocional, geralmente vem de casas onde tudo vale. Onde os filhos mandam e os pais se encolhem (...)”.

Melhor para aquele garoto foi a professora tê-lo feito limpar a sujeira que fez, fazendo-o assumir a responsabilidade por seu erro; e teria sido melhor ainda se sua mãe viesse a público anunciar um corretivo exemplar para a grosseria do filho. Melhor para a sociedade seria que os pais assumissem, com urgência, seu papel de educadores. Ou então gente como aquele garoto de Viamão se tornará mito, ícone para a juventude, exemplo a ser seguido; e nós, sim, é que mereceremos o título de “bobos da corte”.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O EVANGELHO É MAIS DO QUE UMA MENSAGEM


O Evangelho é mais do que uma mensagem; é um estilo de vida. Muito mais do que algo a ser crido e explicado, o Evangelho é algo a ser vivido, praticado. É na vivência dos que nele crêem que ele se traduz aos que não o entendem. A melhor explicação que poderia ser dada ao Evangelho é uma experiência prática de suas verdades.

Muitas vezes tornamos o Evangelho um mero teorema espiritualoide. Falamos dele mas esquecemos de vivê-lo. Pregamos, mas não o demonstramos. Teorizamos, teologamos, mas não o explicitamos.

Jesus não teve muito tempo para pregar o Evangelho, por isso ele o existencializou. A sua grande ordem aos discípulos foi: “Ide e fazei discípulos”. Discípulos não seguem teorias; discípulos copiam gestos, seguem passos, praticam exemplos. Evangelizar nada mais é do que ver o Evangelho em ação na vida de quem nele crê.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

FERIDOS EM NOME DE DEUS


A jornalista Marília de Camargo César escreveu um provocante texto sobre o abuso espiritual provocado por líderes religiosos que agem, supostamente, em nome de Deus. Comprei o livro e estou lendo. Vale à pena a leitura. É um livro simples, de leitura fácil e ao mesmo tempo desconfortável. Fácil porque a autora não se preocupa em psicologizar o assunto, nem criar teorias desnecessárias. Vai direto ao asssunto. E é desconfortável porque faz a gente questionar os próprios métodos como liderança pastoral. Excetuados alguns exageros desnecessários, Feridos em nome de Deus é uma boa referência para pensar no assunto. Abaixo transcrevo uma entrevista que a autora concedeu recentemente à revista Época.


ÉPOCA – Por que você resolveu abordar esse tema?
Marília de Camargo César – Eu parti de uma experiência pessoal, de uma igreja que frequentei durante dez anos. Eu não fui ferida por nenhum pastor, e esse livro não é nenhuma tentativa de um ato heroico, de denúncia. É um alerta, porque eu vi o estado em que ficaram meus amigos que conviviam com certa liderança. Isso me incomodou muito e eu queria entender o que tinha dado errado. Não quero que haja generalizações, porque há bons pastores e boas igrejas. Mas as pessoas que se envolvem em experiências de abusos religiosos ficam marcadas profundamente.

ÉPOCA – Qual foi a história que mais a impressionou?
Marília – Uma das histórias que mais me tocaram foi a de uma jovem que tem uma doença degenerativa grave. Em uma igreja, ela ouviu que estava curada e que, caso se sentisse doente, era porque não tinha fé suficiente em Deus. Essa moça largou os remédios que eram importantíssimos no tratamento para retardar os efeitos da miastenia grave (doença autoimune que acarreta fraqueza muscular). O médico dela ficou muito bravo, mas ela peitou o médico e chegou a perder os movimentos das pernas. Ela só melhorou depois de fazer terapia. Entendeu que não precisava se livrar da doença para ser uma boa pessoa.

ÉPOCA – Que tipo de experiência você considera como abuso religioso e que marcas são essas?

Marília – Meu livro é sobre abusos emocionais que acontecem na esteira do crescimento acelerado da população de evangélicos no Brasil. É a intromissão radical do pastor na vida das pessoas. Um exemplo: uma missionária que apanha do marido sistematicamente e vai parar no hospital. Quando ela procura um pastor para se aconselhar, ele fala assim para ela: “Minha filha, você deve estar fazendo alguma coisa errada, é por isso que o teu marido está se sentindo diminuído e por isso ele está te batendo. Você tem de se submeter a ele, porque biblicamente a mulher tem de se submeter ao cabeça da casa. Então, essa mulher, que está com a autoestima lá embaixo, que apanha do marido - inclusive pelo Código Civil Brasileiro ele teria de ser punido - pede um conselho pastoral e o pastor acaba pisando mais nela ainda. E ele usa a Bíblia para isso. Esse é um tipo de abuso que não está apenas na igreja pentecostal ou neopentecostal, como dizem. É um caso da Igreja Batista, em que, teoricamente, os protestantes históricos têm uma reputação melhor.

ÉPOCA – Seu livro questiona a autoridade pastoral. Por quê?

Marília – As igrejas que estão surgindo, as neopentecostais, e não as históricas, como a presbiteriana, a batista, a metodista, que pregam a teologia da prosperidade, estão retomando a figura do “ungido de Deus”. É a figura do profeta, do sacerdote, que existia no Antigo Testamento. No Novo Testamento, não existe mais isto. Jesus Cristo é o único mediador. Então o pastor dessas igrejas mais novas está se tornando o mediador. Para todos os detalhes da sua vida, você precisa dele. Se você recebeu uma oferta de emprego, o pastor pode dizer se deve ou não aceitá-la. Se estiver paquerando alguém, vai dizer se deve ou não namorar aquela pessoa. O pastor, em vez de ensinar a desenvolver a espiritualidade, determina se aquele homem ou aquela mulher é a pessoa da sua vida. E o pastor está gostando de mandar na vida dos outros, uma atitude que abre um terreno amplo para o abuso.

ÉPOCA – Você também fala que não é só culpa do pastor.

Marília – Assim como existe a onipotência pastoral, existe a infantilidade emocional do rebanho, que é o que o Sérgio Franco, um dos pastores psicanalistas entrevistados no livro, fala. A grande crítica do Freud em relação à religião era essa. Ele dizia que a religião infantiliza as pessoas, porque você está sempre transferindo as suas decisões de adulto - que são difíceis - e a figura do sagrado, no caso aqui o líder religioso, para a figura do pai ou da mãe - o pastor, a pastora. É a tendência do ser humano em transferir responsabilidade. O pastor virou um oráculo. É mais fácil ter alguém, um bode expiatório, para pôr a culpa nas decisões erradas tomadas.

“O pastor está gostando de mandar na vida dos outros e receber presentes. Isso abre espaço para os abusos”

ÉPOCA – Quais são os grandes males espirituais que você testemunhou?

Marília – Eu vi casamentos se desfazer, porque se mantinham em bases ilusórias. Vi também pessoas dizendo que fazer terapia é coisa do Diabo. Há pastores contra a terapia que afirmam que ela fortalece a alma e a alma tem de ser fraca; o espírito é que tem que ser forte. E dizem isso supostamente apoiados em textos bíblicos. Dizem que as emoções têm de ser abafadas e apenas o espírito ser fortalecido. E o que acontece com uma teologia dessas? Psicoses potenciais na vida das pessoas que ficam abafando as emoções. As pessoas que aprenderam essa teologia e não tiveram senso crítico para combatê-la ficaram muito mal. Conheci um rapaz com muitos problemas de depressão e de autoestima que encontrou na igreja um ambiente acolhedor. Ele dizia ter ressuscitado emocionalmente. Só que com o passar dos anos, o pastor se apoderou dele. Mas ele começou a perceber que esse pastor é gente, que gosta de ganhar presentes e que usa a Bíblia para se justificar. Uma das histórias que mais me tocou foi a de uma jovem que tem uma doença degenerativa grave. Ela foi para uma dessas igrejas e ouviu que se estivesse sentindo ainda doente era porque não tinha fé suficiente em Deus. Essa moça largou os remédios que eram importantíssimos no tratamento para retardar os efeitos da miastenia grave (doença auto-imune que acarreta fraqueza muscular). O médico dela ficou muito bravo e não a autorizou. Mesmo assim, ela peitou o médico e chegou a perder os movimentos das pernas. Ela só melhorou depois de fazer terapia. Ela entendeu que não precisava se livrar da doença para ser uma boa pessoa.

ÉPOCA – Por que demora tanto tempo para a pessoa perceber que está sendo vítima?

Marília – Os abusos não acontecem da noite para o dia. A pessoa que está sendo discipulada, que aprende com o pastor o que a Bíblia diz, desenvolve esse relacionamento aos poucos. No primeiro momento, ela idealiza a figura do líder, como alguém maduro, bem preparado. É aquilo que fazemos quando estamos apaixonados: não vemos os defeitos. O fiel vê esse líder como um intermediário, como um representante de Deus que tem recados para a vida dele, um guru. E o pastor vai ganhando a confiança dele num crescendo, como numa amizade. Esse líder, que acredita que Deus o usa para mandar recados para sua congregação, passa a ser uma referência na vida do fiel. O fiel, pro sua vez, sente uma grande gratidão por aquele que o ajudou a mudar sua vida para melhor. Ele se sente devedor do pastor e começa, então, a dar presentes. O fiel quer abençoar o líder porque largou as drogas, ou parou de beber, ou parou de bater na mulher, ou porque arrumou um emprego e está andando na linha. E começa a dar presentes de acordo com suas posses. Se for um grande empresário, ele dá um carro importado para o pastor. Isso eu vi acontecer várias vezes. O pastor, por sua vez, gosta de receber esses presentes. É quando a relação se contamina, se torna promíscua. E o pastor usa a Bíblia para dizer que esse ato é bíblico. O poder está no uso da Bíblia para legitimar essas práticas.

ÉPOCA – Qual é o limite da autoridade pastoral?

Marília – O pastor tem o direito de mostrar na Bíblia o que ela diz sobre certo tema. Como um bom amigo, ele tem o direito de dar um conselho. Mas ele tem de deixar claro que aquilo é apenas um conselho. Pode até falar que o resultado disso ou daquilo pode ser ruim para a vida do fiel. Mas ele não pode mandar a pessoa fazer algo em nome de Deus. O que mais fere as pessoas é ouvir uma ordem em nome de Deus. Se é Deus, então prova! Se Deus fala para o pastor, por que Ele não fala para o fiel? Eles estão sendo extremamente autoritários.

ÉPOCA – Você afirma que muitos dos pastores não agem por má-fé, mas por uma visão messiânica. Explique.

Marília – É uma visão messiânica para com seu rebanho. Lutero (teólogo alemão responsável pela reforma protestante no século XVI) deve estar dando voltas na tumba. Porque o pastor evangélico virou um papa que é a figura mais criticada no catolicismo, o inerrante. E não existe essa figura, porque somos todos errantes, seres faltantes, como já dizia Freud. Pastor é gente. E é esse pastor messiânico que está crescendo no evangelismo. Existe uma ruptura entre o Antigo e o Novo Testamento, que é a cruz. A reforma de Lutero veio para acabar com a figura intermediária e a partir dela veio a doutrina do sacerdócio universal. Todos têm acesso a Deus. Uma das fontes do livro disse que precisamos de uma nova reforma e eu concordo com ela. Essa hierarquização da experiência religiosa, que o protestante tanto combateu no catolicismo, está se propagando. Você não pode mais ter a conversa direta com o divino. Porque tem aquela coisa da “oração forte” do pastor. Você acha que ele ora mais que você, que ele tem alguma vantagem espiritual e, se você gruda nele, pega uma lasquinha. Isso não existe. Somos todos iguais perante Deus.

ÉPOCA – Se a igreja for questionada em seus dogmas, ela não deixará de ser igreja?

Marília – Eu não acho isso. A igreja tem mesmo de ser questionada, inclusive há pensadores cristãos contemporâneos que questionam o modelo de igreja que estamos vivendo e as teologias distorcidas, como a teologia da prosperidade, que são predominantemente neopentecostais e ensinam essa grande barganha. Se você não der o dízimo, Deus vai mandar o gafanhoto. Simbolicamente falando, Ele vai te amaldiçoar. Hoje o fiel se relaciona com o Divino para as coisas darem certo. Ele não se relaciona pelo amor. Essa é uma das grandes distorções.

ÉPOCA – Por que você diz que existe uma questão cultural no abuso religioso?

Marília – Porque o brasileiro procura seus xamãs, e isso acontece em todas as religiões. O brasileiro é extremamente religioso. A ÉPOCA até publicou uma matéria sobre isso, dizendo que a maioria acredita em algo e se relaciona com isso, tentando desenvolver seu lado espiritual. O brasileiro gosta de ter seu oráculo. A pessoa que vem do catolicismo, onde há centenas de santos, e passa a ser evangélica transfere aquela prática e cultura do intermediário para o protestantismo, e muitas igrejas dão espaço para isso. O pastor Edir Macedo (da igreja Universal) trouxe vários elementos da umbanda, do candomblé, porque ele é convertido. Ele diz que o povo precisa desses elementos -que ele chama de pontos de contato - para ajudar a materializar a experiência religiosa. A Bíblia condena tudo isso.

ÉPOCA – No livro você dá alguns alertas para não cair no abuso religioso. Fale deles.

Marília – Desconfie de quem leva a glória para si. Um conselho é prestar atenção nas visões megalomaníacas. Uma das características de quem abusa é querer que a igreja se encaixe em suas visões, como quere ganhar o Brasil para Cristo e colocar metas para isso. E aquele que não se encaixar é um rebelde, um feiticeiro. Tome cuidado com esse homem. Outra estratégia é perguntar a si mesmo se tem medo do pastor ou se pode discordar dele. A pessoa que tem potencial para abusar não aceita que discorde dela, porque é autoritária. Outra situação é observar se o pastor gosta de dinheiro e ver os sinais de enriquecimento ilícito. São esses geralmente os que adoram ser abençoados e ganhar presentes. Cuidado com esse cara.