sábado, 27 de fevereiro de 2010

ANTROPOCENTRISMO, TRIUNFALISMO E AUTO-AJUDA. O PERIGOSO FERMENTO QUE CONTAMINA A MÚSICA EVANGÉLICA.

“Acredite, é hora de vencer. Essa força vem de dentro de você”. Essas palavras bem que poderiam ser extratos das frases de efeito típicas de uma palestra motivacional, ou o conteúdo de um livro qualquer de um desses gurus da auto-ajuda. Mas infelizmente não são. São parte da letra da canção “Conquistando o impossível”, composta por Beno César e Solange De César, interpretada pela “cantora” gospel Jamily, e entoada como mantra por muitos crentes por aí a fora. É um cântico que exalta a capacidade humana para vencer e conquistar o que quiser se simplesmente acreditar. Segundo a canção, “nossos sonhos a gente é que constrói”. Deus participa desse negócio simplesmente dando “asas”. O resto é por nossa conta: “Deus dá asas, faz seu vôo”.

De acordo com a canção, a força necessária para vencer e “conquistar o impossível” vem “de dentro de você”, ou seja, está dentro de cada um. Todos nós temos uma capacidade intrínseca de conquistar tudo o que quisermos. Basta apenas acionar o dispositivo para que essa força funcione. E o dispositivo se chama “fé”. Ela é suficiente para fazer qualquer coisa, pois “você pode até tocar o céu, se crer”. Mas crer em quem? Ou melhor: em que?

A letra da canção não deixa claro qual é o alvo dessa “fé”. Mas pelo contexto dá para entender que é um tipo de fé na própria fé. Não é fé em Deus, pois Deus não faz nada a não ser dar asas. O vôo é por conta do homem. Assim, conforme a música, se o homem tiver fé de que pode voar, voará. Afinal, campeão, a “fé que te faz imbatível mostra o teu valor”.

A fé ensinada na canção não mostra o valor do Deus que dá asas, mas o valor de quem acreditou e voou por sua própria capacidade. Toda a letra da música é uma exaltação da fé humana como recurso único para as conquistas, um tipo de glorificação do homem como ser capaz de fazer o que quiser pela sua própria capacidade de crer. A música é altamente antropocêntrica, ou seja, tudo nela gira em torno do homem e sua capacidade: “Tantos recordes VOCÊ pode quebrar. As barreiras VOCÊ pode ultrapassar”.

Essa música até poderia ser cantada numa convenção para vendedores, na abertura dos jogos olímpicos ou na preleção de um time de várzea, mas nunca num culto, pois ela não glorifica a Deus, e sim, o homem. É uma música contaminada pelo fermento do antropocentrismo. Comparemos essa música com os cânticos bíblicos e não sobrará nada. Os cânticos bíblicos exaltam a Deus e sua glória, e submetem o homem à força de Deus; não ensinam a confiança na capacidade humana, nem atribuem à força do homem a suficiência em nenhum projeto. Essa teologia “Lua de Cristal” de que “tudo pode ser, basta acreditar” não encontra base na teologia bíblica.

O fermento do antropocentrismo contamina a música evangélica produzindo uma igreja incapaz de prestar a Deus um culto aceitável. Uma igreja cuja expressão de adoração está contaminada pelo fermento do antropocentrismo presta um falso culto onde Deus não está no centro, e onde as pessoas não são levadas a considerar e refletir a respeito da sua incapacidade e urgente necessidade de Cristo não como incentivador de conquistas, mas como Salvador e Senhor.

A letra dessa canção mostra outro fermento perigoso que tem influenciado a música evangélica: o triunfalismo: “Campeão, vencedor, essa fé que te faz imbatível, mostra o seu valor”. O trinfalismo é uma falsa interpretação da verdade bíblica a respeito da vitória que os crentes alcançam em Cristo. A Bíblia ensina que os crentes são mais que vencedores através de Cristo Jesus, e somente através dele. Cristo é o vencedor, e aqueles que nele crêem alcançam a vitória por intermédio dele. Mas a Bíblia não indica que essa vitória isenta os crentes dos sofrimentos, perdas momentâneas e imprevistos na vida. Mesmo que sejamos, na linguagem bíblica, mais que vencedores, continuamos humanos e sujeitos às circunstâncias da vida, que muitas vezes nos surpreendem e fazem-nos reconhecer que não somos imbatíveis.

Ao contrário disso, o triunfalismo ensina que o homem é imbatível, e que nada é impossível ao homem que tem fé. Esse, todavia, não é o ensino da Bíblia. O apóstolo Paulo era um homem de fé, mas ele mesmo declarou: “Somos... abatidos...” (2 Co. 4. 9). Ele passou por muitos momentos em que viu suas orações não serem atendidas, sonhos não serem realizados, projetos não serem alcançados e dificuldades maiores que os recursos disponíveis impedirem algum sucesso. Paulo era um homem crente, fiel a Deus, mas não pregou nenhum tipo de triunfalismo. Nunca saiu de seus lábios nem de suas cartas nenhum ensino de que o crente sempre ganha as batalhas desta vida e de que o crente seja imbatível. Ao contrário do triunfalismo, a Bíblia ensina que para o homem, por mais crente que ele seja, há muitos impossíveis; mas nada é impossível para Deus. A Bíblia não garante que tudo o que o que o crente quiser ou desejar vai acontecer. A certeza, a confiança ou a fé do crente não garantem que tudo vai dar certo, que ele vai vencer todas aqui na terra. Às vezes o crente se sentirá abatido, entristecido, derrotado, mas a certeza dele é que Cristo venceu todas as batalhas e que sua vitória final só será alcançada na eternidade, não aqui.

Outro fermento perigoso presente nessa canção é o fermento da auto-ajuda. Muitas canções que ouvimos hoje em dia nas igrejas são meros discursos para elevar a auto-estima do homem. São cânticos motivacionais, não verdadeiro louvor a Deus. “Acredite. Nossos sonhos a gente é que constrói”; “Você tem valor”! As pessoas ouvem essas canções para sentir-se bem consigo mesmas, elevadas, estimuladas. Essas mensagens não causam impacto na consciência quanto ao pecado, mas despertam as emoções e produzem uma falsa sensação de bem-estar. É isto que faz as pessoas freqüentarem por anos a fio as igrejas e nunca se converterem; afinal, elas nunca ouvem que são pecadoras e precisam de arrependimento. Ao contrário, ouvem sempre que precisam sonhar e correr atrás dos sonhos, que tudo vai dar certo, que têm valor, e que podem até tocar o céu pela força do pensamento positivo, falsamente chamado de “fé”.

A canção “Conquistando o impossível” é apenas um triste exemplo do que tem se tornado comum no repertório gospel. O fermento que contamina a música cantada por boa parte de nossas igrejas tem prejudicado de maneira significativa a qualidade do testemunho cristão em nossos dias. São canções que não glorificam a Deus, mas exaltam o homem; muitas não falam de pecado e arrependimento, mas prometem a possibilidade de “até tocar o céu” sem passar pela cruz. São mensagens superficiais, produzidas para agradar o gosto do mercado, e não para promover a glória de Deus e o conhecimento dele que leve o homem à Salvação por meio de Cristo Jesus. Ao sabor das conveniências, tais canções estimulam um falso cristianismo e enganam os perdidos, oferecendo-lhes uma falsa esperança de que tudo está bem. É preciso resistir a esse perigoso fermento, antes que ele levede totalmente a maneira de crer da Igreja do nosso tempo.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A TORRE DE DUBAI E A SÍNDROME DE BABEL

“Nos últimos quinze anos, o mundo viveu uma corrida pela construção de prédios cada vez mais altos”. Assim inicia a reportagem: “O prédio de quase 1 km de altura”, publicada na revista Veja de 13 de janeiro de 2010, falando a respeito da inauguração do prédio mais alto do mundo. Construído na cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o Burj Khalifa tem impressionantes 828 metros de altura, superando em 320 metros o campeão anterior que fica em Taiwan. Tudo que se diz sobre essa estrutura gigantesca fica no superlativo. Além disso, é impossível pensar numa obra como esta sem correr o risco de se exaltar a capacidade do homem, que cada dia parece desconhecer limites para a sua ousadia.

A torre de Dubai faz-nos lembrar da primeira obra de engenharia de que se tem notícia, construída a fim de exaltar a grandeza e a ousadia humana: a Torre de Babel. De dimensões absurdamente mais modestas para os padrões de hoje, a torre de Babel erguia-se na terra de Sinear como um ícone da capacidade humana de desafiar limites. O objetivo dos construtores daquela torre era “chegar até aos céus”, superar balizas impostas por Deus; era, como se lê na Bíblia de Genebra, uma “tentativa titânica de auto-afirmação corporativa”, um desafio aberto a Deus.

Diferentemente do que afirma a reportagem da revista Veja, a corrida pela construção de estruturas gigantescas é muito mais antiga. A torre de Dubai parece ser um tipo de reedição do espetáculo de Babel. Embora sejam sugeridos motivos plausíveis para a sua construção, como a busca para se atrair investimentos financeiros para a região e fomento do turismo, a torre de Dubai expõe a síndrome da altivez e da arrogância humana que motivou a construção da torre de Babel. O mesmo orgulho que inspirou os construtores de Babel parece ter infectado os construtores da torre de Dubai. O mesmo desejo prepotente de tornar célebres os seus nomes, tornar-se imortais, inesquecíveis, insuperáveis. A estratégia arrogante é a mesma; as justificativas se irmanam; é o complexo de superioridade humana gerando desafios às leis naturais, tendo não apenas o Céu como limite, mas Deus como concorrente.

Diz a história que “desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam” (Gn 11. 5). Isto não significa que Deus não soubesse o que se passava. Deus é soberano em seu conhecimento de todas as coisas. Deus “desceu”, na linguagem antropomórfica de Gênesis, não para tomar conhecimento apenas, mas para julgar o orgulho humano. O sinal do julgamento de Deus foi a confusão das línguas que gerou a dispersão dos povos e o fim do projeto. Mas Deus sabia que o sonho do homem de tornar célebre o seu próprio nome não pararia por ali. Em alguns outros momentos da história seria possível perceber a síndrome de Babel. “Isto é apenas o começo”, disse Deus (Gn 11. 6).

Babel foi apenas o começo das grandes obras erguidas para glorificar a capacidade humana. E a torre de Dubai é mais uma representação desse anseio arrogante. De acordo com os especialistas, o limite atual estabelecido para este tipo de construção é de 1, 2 kilômetro; mas a arrogância humana pode estender essa fronteira muito rapidamente. Porque o seu alvo continua a ser o mesmo de Babel: “Edifiquemos uma torre que chegue até aos céus” (Gn 11. 4). Mas Deus continua atento, e a qualquer momento ele poderá descer para julgar. E o seu julgamento é infalível. Como ocorreu em Babel, poderá ocorrer em Dubai ou em qualquer outro lugar e tempo, pois Deus é o mesmo.