Li, recentemente, dois textos relacionados à música
evangélica no Brasil. Um deles foi publicado pela revista Veja, edição de 23/05/12 e trazia o título: “Deus é pop”. A
reportagem de três páginas procurou retratar a mudança pela qual passou a
música evangélica nos últimos tempos. De acordo com o texto, a música
evangélica, tempos atrás, era assim representada: “Homens de terno alinhadinho
e mulheres de saia comprida e cabelo preso, todos com a Bíblia debaixo do
braço, cantam barulhentos hinos de louvor com vozes potentes, tão exageradas
que até dão a impressão de que Deus é surdo e só atende às preces de quem
grita”. Hoje, no entanto, as coisas mudaram. Agora a música evangélica é gospel, e é representada por “astros” e “estrelas
nacionais”, num guarda-sol que abriga “os mais variados gêneros: rock, samba,
soul, hip-hop e até axé music”.
Ainda, conforme a reportagem assinada por Sérgio Martins, a
música gospel é “o segundo gênero mais consumido no país, atrás apenas do
sertanejo”. Por tudo isto, muitos, certamente, comemoraram o reconhecimento da
grande mídia ao segmento, que hoje tem acesso fácil a programas de televisão,
especiais produzidos até pela, antes demonizada, Rede Globo e contratos
milionários com grandes gravadoras “seculares”.
Para alcançar tamanho “reconhecimento”, a reportagem destaca
que algumas mudanças precisaram ser feitas. Mudaram-se as roupas, os ritmos e
até a mensagem. Antes, Deus “parecia ser sempre o Deus implacável do Antigo
Testamento”. Agora, nestes tempos de popularidade, “o Deus gospel ficou bem
mais camarada”.
O segundo texto sobre música evangélica eu li na versão
digital da revista Cristianismo Hoje. Trata-se de uma entrevista com o pastor
Paulo Cézar da Silva, líder do Ministério Logos, publicada em dezembro de 2011.
A entrevista dada ao jornalista Carlos Fernandes é uma verdadeira aula de bom
senso. Questionado sobre o que mudou para melhor e para pior na música
evangélica ao longo dos últimos trinta anos, tempo de existência do Logos,
Paulo Cézar respondeu: “Para melhor, acho que mudou a qualidade técnica. A
evolução dos músicos, dos estúdios, dos instrumentos e do som é perceptível. As
chances de alguém gravar e fazer um bom trabalho, hoje, são muito maiores do
que antes. O que mudou para pior, com algumas exceções, foi o conteúdo, tanto do
que se produz como do objetivo com que se canta”. Para Cézar, na música gospel
atual “o mundanismo tomou o lugar da contextualização”, “as letras são escritas
de acordo com várias influências”, compositores são levados “a compor o que
seus ‘clientes’ gostam, e não o que precisam”, que hoje há muita “ganância por
posição, popularidade, fama e dinheiro”, e que quando fica sabendo dos valores
cobrados por muitos “artistas gospel” para suas apresentações, sente-se
“enojado”. A certa altura da entrevista Paulo Cézar diz: “Vale qualquer coisa,
desde que resulte em grana! Então eu pergunto: Onde está a visão do Reino
nesse negócio?”.
Aí está o ponto. Os dois textos apontam numa mesma direção:
A música evangélica passou por diversas mudanças ao longo dos últimos tempos. O
problema é que cada um deles intepreta essas mudanças de maneiras diferentes. A
reportagem de Veja analisa os pontos considerados por muitos, positivos dessas
mudanças. A entrevista de Paulo Cézar expõe muitos aspectos negativos. Qual
dessas interpretações eu prefiro? É preciso dizer?
Há muito a música evangélica deixou de ser música de
adoração para ser música de mercado. Seus principais representantes mudaram da
categoria de adoradores para a de “artistas”, “celebridades”, “astros” ou
“estrelas”. A música gospel agora é um grande negócio, e não há espaço para
visão de Reino em um negócio. Visão de Reino pressupõe voluntariedade,
abnegação; negócio requer receita. Visão de Reino abrange absolutos
inegociáveis em nome da fé; negócio exige relativizações em função dos lucros.
Visão de Reino tem princípios; negócio tem contratos. Visão de Reino cria servos;
negócio inventa ídolos. Visão de Reino conclama culto a Deus; negócio agenda
shows. Visão de Reino visa adoradores; negócio atrai clientes. Na visão de
Reino, como disse Paulo Cézar, “crentes de verdade rendem seus talentos ao
Senhor e testemunham com suas vidas o caráter de verdadeiros adoradores”. Nos
negócios faz-se como o compositor gospel Anderson Freire, citado na reportagem
de Veja: “Minha aliança é com Deus e com os homens”.
Grande parte da música gospel está a serviço de uma
indústria de entretenimento e não a serviço da visão de Reino. Ela não
representa com tanta exatidão a fé cristã e está muito longe de ser uma
expressão genuinamente evangélica; é mais uma expressão do pluralismo pós-moderno,
um triste retrato de uma igreja sem identidade bíblica.
Eu creio que a música cristã precisa estar a serviço da
adoração a Deus e não de uma indústria. Ela deve expressar a crença do povo de
Deus e identificar a fé desse povo, e não agradar a uma plateia ou produzir
fãs. A música cristã deve se preocupar em ser bíblica antes de ser
contextualizada.
A reportagem de Veja encerra dizendo que, no caso da música evangélica
brasileira, “ainda há alguns obstáculos no caminho até os homens: as rádios
comerciais em geral ignoram o grosso da produção gospel”. Em sua entrevista, o
pastor Paulo César da Silva diz: “Sonho com bons músicos, crentes de verdade,
que rendam seus talentos ao Senhor e testemunhem com suas vidas o caráter de
verdadeiros adoradores”. A julgar por este sonho do pastor Paulo Cézar o
caminho até Deus é bem mais longo.
Agnaldo Silva Mariano
2 comentários:
A música gospel atual é em sua maioria com raríssimas exceções um lixo. Os cantores se transformaram em artistas que só pensam em fama e dinheiro, chegando a cobrar valores exorbitantes em seus shows. Se depender de mim para comprar cd e ir a show eles vão morrer de fome. Prefiro pegar o meu velho e bom hinário e cantar lindas e gratuitas melodias!
Ótima abordagem da questão. Parabéns.
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