quarta-feira, 23 de maio de 2012

MÚSICA GOSPEL: VISÃO DE REINO OU NEGÓCIO?


Li, recentemente, dois textos relacionados à música evangélica no Brasil. Um deles foi publicado pela revista Veja, edição de 23/05/12 e trazia o título: “Deus é pop”. A reportagem de três páginas procurou retratar a mudança pela qual passou a música evangélica nos últimos tempos. De acordo com o texto, a música evangélica, tempos atrás, era assim representada: “Homens de terno alinhadinho e mulheres de saia comprida e cabelo preso, todos com a Bíblia debaixo do braço, cantam barulhentos hinos de louvor com vozes potentes, tão exageradas que até dão a impressão de que Deus é surdo e só atende às preces de quem grita”. Hoje, no entanto, as coisas mudaram. Agora a música evangélica é gospel, e é representada por “astros” e “estrelas nacionais”, num guarda-sol que abriga “os mais variados gêneros: rock, samba, soul, hip-hop e até axé music”.

Ainda, conforme a reportagem assinada por Sérgio Martins, a música gospel é “o segundo gênero mais consumido no país, atrás apenas do sertanejo”. Por tudo isto, muitos, certamente, comemoraram o reconhecimento da grande mídia ao segmento, que hoje tem acesso fácil a programas de televisão, especiais produzidos até pela, antes demonizada, Rede Globo e contratos milionários com grandes gravadoras “seculares”.

Para alcançar tamanho “reconhecimento”, a reportagem destaca que algumas mudanças precisaram ser feitas. Mudaram-se as roupas, os ritmos e até a mensagem. Antes, Deus “parecia ser sempre o Deus implacável do Antigo Testamento”. Agora, nestes tempos de popularidade, “o Deus gospel ficou bem mais camarada”.

O segundo texto sobre música evangélica eu li na versão digital da revista Cristianismo Hoje. Trata-se de uma entrevista com o pastor Paulo Cézar da Silva, líder do Ministério Logos, publicada em dezembro de 2011. A entrevista dada ao jornalista Carlos Fernandes é uma verdadeira aula de bom senso. Questionado sobre o que mudou para melhor e para pior na música evangélica ao longo dos últimos trinta anos, tempo de existência do Logos, Paulo Cézar respondeu: “Para melhor, acho que mudou a qualidade técnica. A evolução dos músicos, dos estúdios, dos instrumentos e do som é perceptível. As chances de alguém gravar e fazer um bom trabalho, hoje, são muito maiores do que antes. O que mudou para pior, com algumas exceções, foi o conteúdo, tanto do que se produz como do objetivo com que se canta”. Para Cézar, na música gospel atual “o mundanismo tomou o lugar da contextualização”, “as letras são escritas de acordo com várias influências”, compositores são levados “a compor o que seus ‘clientes’ gostam, e não o que precisam”, que hoje há muita “ganância por posição, popularidade, fama e dinheiro”, e que quando fica sabendo dos valores cobrados por muitos “artistas gospel” para suas apresentações, sente-se “enojado”. A certa altura da entrevista Paulo Cézar diz: “Vale qualquer coisa, desde que resulte em grana!  Então eu pergunto: Onde está a visão do Reino nesse negócio?”.

Aí está o ponto. Os dois textos apontam numa mesma direção: A música evangélica passou por diversas mudanças ao longo dos últimos tempos. O problema é que cada um deles intepreta essas mudanças de maneiras diferentes. A reportagem de Veja analisa os pontos considerados por muitos, positivos dessas mudanças. A entrevista de Paulo Cézar expõe muitos aspectos negativos. Qual dessas interpretações eu prefiro? É preciso dizer?

Há muito a música evangélica deixou de ser música de adoração para ser música de mercado. Seus principais representantes mudaram da categoria de adoradores para a de “artistas”, “celebridades”, “astros” ou “estrelas”. A música gospel agora é um grande negócio, e não há espaço para visão de Reino em um negócio. Visão de Reino pressupõe voluntariedade, abnegação; negócio requer receita. Visão de Reino abrange absolutos inegociáveis em nome da fé; negócio exige relativizações em função dos lucros. Visão de Reino tem princípios; negócio tem contratos. Visão de Reino cria servos; negócio inventa ídolos. Visão de Reino conclama culto a Deus; negócio agenda shows. Visão de Reino visa adoradores; negócio atrai clientes. Na visão de Reino, como disse Paulo Cézar, “crentes de verdade rendem seus talentos ao Senhor e testemunham com suas vidas o caráter de verdadeiros adoradores”. Nos negócios faz-se como o compositor gospel Anderson Freire, citado na reportagem de Veja: “Minha aliança é com Deus e com os homens”.

Grande parte da música gospel está a serviço de uma indústria de entretenimento e não a serviço da visão de Reino. Ela não representa com tanta exatidão a fé cristã e está muito longe de ser uma expressão genuinamente evangélica; é mais uma expressão do pluralismo pós-moderno, um triste retrato de uma igreja sem identidade bíblica.

Eu creio que a música cristã precisa estar a serviço da adoração a Deus e não de uma indústria. Ela deve expressar a crença do povo de Deus e identificar a fé desse povo, e não agradar a uma plateia ou produzir fãs. A música cristã deve se preocupar em ser bíblica antes de ser contextualizada.

A reportagem de Veja encerra dizendo que, no caso da música evangélica brasileira, “ainda há alguns obstáculos no caminho até os homens: as rádios comerciais em geral ignoram o grosso da produção gospel”. Em sua entrevista, o pastor Paulo César da Silva diz: “Sonho com bons músicos, crentes de verdade, que rendam seus talentos ao Senhor e testemunhem com suas vidas o caráter de verdadeiros adoradores”. A julgar por este sonho do pastor Paulo Cézar o caminho até Deus é bem mais longo.

Agnaldo Silva Mariano

2 comentários:

Raquel Mariano disse...

A música gospel atual é em sua maioria com raríssimas exceções um lixo. Os cantores se transformaram em artistas que só pensam em fama e dinheiro, chegando a cobrar valores exorbitantes em seus shows. Se depender de mim para comprar cd e ir a show eles vão morrer de fome. Prefiro pegar o meu velho e bom hinário e cantar lindas e gratuitas melodias!

Anônimo disse...

Ótima abordagem da questão. Parabéns.