terça-feira, 10 de novembro de 2009

“EM TUDO” E NÃO “POR TUDO”: O SEGREDO DA GRATIDÃO.


Estes últimos dias não têm sido muito fáceis. Nada tão cruel ou desesperador, mas algumas lágrimas já escorreram dos meus olhos. São momentos como aqueles que todos passam de vez em quando.

Em momentos assim, infelizmente, o pior que há em nossa natureza é exposto. A gente tenta domar certos sentimentos, mas eles reagem com força e mostram suas garras. Um desses sentimentos que experimentei foi a murmuração. E que sentimento ruim é este!

A murmuração é um tipo de pichação na alma. Ela suja, mancha, polui os sentimentos mais nobres. A murmuração revela que há segredos obscuros na nossa intimidade que só são descobertos quando nos sentimos ameaçados, desprotegidos e carentes.

Foi num desses momentos que li um capítulo do livro Cristianismo Radical, de Jim Burns, cujo título é “Gratidão”. Ali Jim Burns expõe sua dificuldade com a gratidão assim como eu e qualquer mortal está propício a experimentar. Ser agradecido a Deus diante de circunstâncias difíceis é um grande desafio, uma árdua tarefa. É mais fácil murmurar, reclamar. É mais natural, mais cômodo.

O apóstolo Paulo ensinou: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus, em Cristo Jesus, para convosco” (1 Ts 5. 18). E Paulo tinha autoridade para falar sobre esse assunto, pois ele havia aprendido a viver contente “em toda e qualquer situação” (Fp 4. 11), coisa que eu luto para aprender, mas não consigo.

Quando o apóstolo disse para darmos graças, obviamente ele não queria exigir de nós uma atitude sobre-humana nesta matéria. Creio lucidamente que o que o apóstolo esperava não era uma reação anestésica diante do sofrimento, um tipo de fé psicodélica que nos imunizasse em relação à dor e ao sofrimento. Foi por isso que ele disse: “Em tudo dai graças”, e não: “Por tudo dai graças”.

Há uma grande diferença nessas duas frases. Dar graças “por tudo” seria exigir algo que nenhum ser humano, em sã consciência, seria capaz de fazer. Não damos graças pela morte precoce de um familiar, pela tragédia que vitima crianças, pela catástrofe que assassina velhos, nem por vicissitudes que esmagam nossos sentimentos. Não somos capazes de agradecer “por tudo”. Creio, mais lucidamente, ainda, que o Deus que nos fez simplesmente humanos reconhece que tal capacidade faria de nós super-humanos. E Deus não exige de nós aquilo que ele sabe que nós não somos capazes de fazer. Por isso, através do apóstolo, ele exortou: “Em tudo dai graças”.

A diferença não está apenas nas preposições, mas na atitude. Dar graças “em tudo” é reconhecer, em meio a quaisquer circunstâncias, que há um propósito e haverá um recurso. É crer de maneira segura que Deus proverá o necessário, apesar das circunstâncias não preverem. Dar graças “em tudo” nos permite chorar, lamentar, sentir a dor. Dar graças “por tudo” roubaria de nós a sensibilidade e o prazer de dizer: “Dói muito”.

Há muitas pessoas que confundem gratidão “em tudo” e gratidão “por tudo”. Por isso passam a maior parte da vida frustradas por não saberem interpretar com sabedoria as situações que enfrentam. Querem agir como super-humanos, quando devem ser apenas humanos, frágeis, sensíveis. Querem ter uma expressão irredutível de força e equilíbrio, quando na verdade podem chorar e expressar verdadeiramente o que se passa na alma. Dar graças “por tudo” significaria ter sempre um sorriso nos lábios e uma piada pronta para enfrentar as calamidades. Dar graças “em tudo” permite o pranto na noite, na esperança de que a alegria virá pela manhã. Dar graças “por tudo” seria ignorar que há tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de saltar de alegria”. Dar graças “por tudo” significaria que o tempo seria sempre o mesmo. Dar graças “por tudo” igualaria todas as circunstâncias, nivelando as reações, produzindo uma estabilidade incompatível com a natural anormalidade da vida humana. Dar graças “em tudo” nos ensina que a diferença na vida não é passar ou não pelos vales, mas como passar por eles. Dar graças “em tudo” nos permite conjugar choro e fé, lamento e esperança, crise e conforto, medo e paz numa sintonia que não compromete nem desqualifica a nossa fé.

Jim Burns disse que “a gratidão é um atributo que transcende as circunstâncias”. Sim, mas não as anula. As circunstâncias permanecem lá, às vezes sombrias, dolorosas, cruéis, avassaladoras. Mas a gratidão nos faz olhar além das circunstâncias. A gratidão não é um anestésico, um entorpecente espiritual. Gratidão é olhar a dor, mas enxergar além da dor; gratidão é sentir a perda, mas ver além da perda; gratidão é passar pelo sofrimento, mas avistar além do sofrimento. Ser grato é saber compreender o propósito, mesmo sem saber o porquê. É crer, ainda que sem entender, que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. Ser grato “em tudo” é saber que, sejam quais forem as circunstâncias, haverá ainda um motivo para continuar a vida. Que as circunstâncias podem nunca mudar, mas nós podemos mudar a atitude em meio a elas. Isto é ser grato “em tudo”. Este é o segredo da gratidão. Isto faz uma grande diferença! E tem feito diferença na minha vida, nestes últimos dias.

Um comentário:

Unknown disse...

Excelente! Me fez refletir.