quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

MINISTÉRIO PASTORAL E PROFISSIONALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO


Por Eugene Peterson

As pessoas têm seu interior dividido entre listas de compras e boas intenções, adultérios (reais ou imaginários) que trazem culpa e atos heróicos cheios de virtude, desejo de se santi­ficar e anseio por auto-satisfação. Esperam tornar-se melhores a partir de, quem sabe?, amanhã ou, no mais tardar, da semana que vem. Enquanto isso não acontece, precisam estar perto de alguém que possa tomar o lugar delas, em quem possam projetar seus anseios de uma vida gratificante com Deus. Ao apresentarmos-lhes um fra­co simulacro do que esperam, elas o tomam como real e convivem com ele, atribuindo-nos mãos limpas e corações puros.

Não conheço outra profissão em que seja tão fácil fingir como a nossa. Existem comportamentos que podemos adotar para ser­mos considerados, sem nenhum questionamento, conhecedores de mistérios: ter um porte reverente, cultivar uma voz empostada, in­troduzir em nossas conversas e palestras palavras eruditas em quan­tidade suficiente apenas para convencer os outros de que nosso treino mental está um pouco acima do que o da congregação. A maioria das pessoas, ou pelo menos aquelas com quem convive­mos mais estreitamente, sabe que, na realidade, estamos cercados por enormes mistérios, como a vida e a morte, o bem e o mal, o sofrimento e a alegria, graça, misericórdia, perdão. Podemos in­sinuar familiaridade com esses assuntos profundos com gestos, sus­piros cheios de simpatia ou toques repletos de compaixão. Mesmo quando, no meio de ataques de humildade ou honestidade, declara­mos que não somos santos, ninguém acredita, porque todos preci­sam de ter certeza de que alguém tem contato com os assuntos mais elevados.

Os aspectos públicos e, conseqüentemente, menos pessoais de nossa vida podem ser simulados com igual facilidade. É possível pla­giar sermões dos mestres e aprender a dirigir uma liturgia maquinal­mente. Copiar trechos das Escrituras adequados para visitas domicili­ares ou hospitalares e colocá-los discretamente no punho da camisa para uma rápida olhadinha no momento da necessidade também não é difícil. Ainda podemos decorar meia-dúzia de orações que atendam a ocasiões em que nos pedem para fazer uma "oraçãozinha" para dar início a alguma reunião de forma apropriada. Finalmente, é possível aprender como fazer parte de algum comitê indo a algumas reuniões e anotando o que funciona e o que não dá certo.

Estive convencido, durante muito tempo, de que seria pos¬sível dar seis meses de treinamento profissionalizante a qualquer formando do 2º grau e transformá-lo em um pastor adequado a qualquer congregação exigente. O currículo seria constituído de quatro matérias:

1. Plágio Criativo. Após participar de numerosas palestras excelentes e inspirativas, o aluno receberá instruções para alterá-las um pouco, apenas para disfarçar a origem, de forma a alcançar a fama de perspicácia e sabedoria.

2. Controle de Voz para Oração e Aconselhamento. Orientação para o desenvolvimento da entonação de voz, com aquisição de habilidade na ressonância e modulação, a fim de transmitir uma inequívoca aura de santidade.

3. Administração Eficiente de Gabinete. Não há nada que os paroquianos admirem mais em seus pastores do que a capacidade de administrar o gabinete com eficiência. Se retornarmos os telefonemas dentro de 24 horas, respondermos as cartas no prazo de uma semana, distribuirmos cópias im-pressas para as pessoas-chave para que saibam que estamos no controle e tivermos uma certa confusão em cima de nossas mesas (se for muita confusão, pareceremos ineficientes, se houver muita ordem daremos a impressão de estar sem serviço), alcançaremos, com muita rapidez, a reputação de eficiência, que é muito mais importante do que tudo que fazemos.

4. Projeção de Imagem. Aqui, o aluno dominará meia-dúzia de ferramentas bem conhecidas e facilmente utilizadas que criam a impressão de que está terrivelmente ocupado e que é procurado a todo momento para aconselhar pessoas influentes na comunidade.

Além das matérias básicas, uma semana de reciclagem por ano introduziria novas frases para convencer os paroquianos de que seu pastor é inovador, seguro de si, sempre atento às grandes tendências do momento mas, ao mesmo tempo, solidamente arraigado nos valores tradicionais dos santos que nos precederam.

(Durante muitos anos eu ri dessa escola profissionalizante para pastores, com a qual planejava enriquecer. Recentemente, porém, fui atingido por minha própria piada. Tenho visto convites para institutos e seminários para pastores que oferecem exatamente esse currículo. Os nomes das matérias dos cursos não são tão sinceros quanto os meus, mas o conteúdo parece ser idêntico: treinam os pastores para satisfazer às preferências dos consumidores em relação à religião. E eu parei de rir).

Do livro: "Um Pastor Segundo o Coração de Deus".

Um comentário:

Filósofo Calvinista disse...

A coisa está feia no que diz respeito a pastores. Quando cobrados por horários e atividades eles dizem que não devem ser tratados como profissionais, que são ministros de Deus, blá, blá, blá,blá, blá blá. Mas no que diz respeito à área financeira, aí sim: querem ter tratamento de profissionais: 13º, férias, etc, etc. Concordo que devam ter mesmo, mas vamos descontar do salário deles quando eles faltarem às atividades da igreja? Vamos cobrar que façam seu trabalho de visitação? Vamos cobrar que estudem mais a bíblia, que dêem expediente no gabinete da igreja, que trabalhem pelo menso oito horas por dia em prol da igreja?