quinta-feira, 16 de setembro de 2010

QUANDO A OBRIGAÇÃO VIRA MÉRITO

Honestidade, respeito, honradez, sinceridade e humildade sempre foram virtudes fundamentais para qualquer ser humano. Ter e demonstrar virtudes sempre foi tratado como obrigação. Não ter virtudes sempre foi o estreanho, o anormal. "Educação vem do berço", diziam os antigos. E com a educação, vinham as virtudes. Meus pais sempre me ensinaram que virtude é obrigação, não opção.

O problema é que as coisas estão mudando tanto, que as virtudes têm se tornado artigo de luxo nas relações humanas. Parece ser tão raro encontrar um cidadão honesto que, quando alguém faz a obrigação de devolver um dinheiro encontrado que não lhe pertence, ele logo vira manchete de jornal e até ganha recompensa. A cada dia que passa o que é obrigação vai se tornando mérito e a própria virtude é desvirtuada. Aí o cidadão que encontra um objeto perdido, ao invés de devolver e ficar no anonimato da obrigação, começa a fazer planos de como se dar bem ao devolver ao dono o objeto encontrado, e como tirar vantagem da gentileza.

A meritocracia da obrigação está escancarada no Horário Eleitoral gratuito. Basta perder alguns minutos diante da TV para se observar candidatos enchendo o peito para dizer que têm ficha limpa, que são honestos, que nunca roubaram, que nunca se envolveram em escândalos, etc. Há alguns de quem a gente desconfia de tanta lisura; mas há outros que é possível acreditar que sejam, de fato, pessoas corretas. Mas será mesmo que essas virtudes precisariam ser apontadas como um diferencial para alguém se apresentar como candidato em uma eleição? A que ponto chegou a sociedade! A obrigação agora virou mérito; e os candidatos se orgulham daquilo que se deve aprender desde o berço. Vangloriam-se do que têm o dever de ser, não apenas como concorrentes a um cargo público, mas como cidadãos.

O projeto Ficha Limpa virou bandeira de campanha de candidatos nesta eleição, mas muitas pessoas não sabem que o projeto não nasceu no Congresso Nacional, até porque muitos parlamentares jamais aprovariam uma lei que fosse contra os seus interesses. O projeto surgiu como uma iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MMCE), que colheu mais de 1 milhão de assinaturas em todo o país. Ou seja, é um projeto de lei de iniciativa popular. Coube aos parlamentares apenas dizer “sim” (ou “não”) ao óbvio. Ver parlamentares de carreira pedindo voto pendurados no Ficha Limpa é uma indecência. Se fosse tão interessante para os parlamentares limpar o Congresso Nacional dos fichas-sujas, por que eles mesmos não tomaram a iniciativa de votar uma lei semelhante antes?

Assistir ao Horário Eleitoral evidencia o que se passa na sociedade brasileira. As virtudes são tão raras na sociedade que se tornaram artigos de luxo. Ter virtude não é mais visto como obrigação, mas como mérito pessoal. Não precisaríamos criar uma lei Ficha Limpa para assear o Congresso Nacional se, como cidadãos, não aceitássemos tantos jeitinhos no nosso dia a dia para resolver nossos problemas. Se tivéssemos o cuidado de devolver o troco dado a mais por engano em uma mercearia, talvez não permitíssemos que fosse eleito um candidato que superfatura uma obra pública. Se não aceitássemos furar a fila no banco pedindo a um amigo para pagar as nossas contas, talvez não aceitássemos votar em um candidato que recebe propina para beneficiar um empresário amigo. Se não pedíssemos uma mãozinha a um figurão da política para dar um emprego a um parente nosso, talvez não votássemos em políticos que praticam nepotismo descaradamente. Se pagássemos nossas contas em dia talvez não votássemos em candidatos que sonegam impostos.

Se as virtudes fossem vistas pelos eleitores como obrigação, talvez não assistíssemos a tantos candidatos defendendo seus próprios valores como méritos no Horário Eleitoral. Minha maior frustração é olhar não apenas para o Horário Eleitoral, mas para o Congresso Nacional e adjacências governamentais, e imaginar que ali está o reflexo da nossa sociedade. Que pena! Pouca coisa vai mudar!
 
Agnaldo Silva Mariano

Um comentário:

Rô Moreira disse...

Te entendo, mas vamos devagar aí, rs rs
Vc esta dizendo que há corruptos porque nós que os elegemos somos corruptos? elegemos ladrão porque somos ladrões??? eu não elegi ninguém. Desculpa. rsrs
gostei muito do seu texto. Mas não da pra achar que toda Sociedade é corrupta, esta semana mesmo escrevi um texto sobre isso, se chama (Ovelha ou massa de manobra?) da uma passadinha lá pra conferir. Adorei seu blog. Paz querido!