A redescoberta da doutrina da justificação foi a razão da Reforma do século dezesseis. A Reforma foi uma reação contra as falsas doutrinas e as tradições corruptas que tinham entrada na igreja católica romana até aquele tempo. Vamos esboçar o desenvolvimento gradativo desses erros.
Primeiro, houve o ensino católico-romano referente ao perdão do pecado. Foi ensinado que todo o pecado (inclusive o pecado original) praticado antes do batismo, foi perdoado pelo batismo, e que mediante o batismo a pessoa efetivamente recebia uma nova vida espiritual.
Todo o pecado praticado depois do batismo foi perdoado somente quando confessado a um sacerdote, cumpridas as penitências e sofridas as penas do purgatório. (Na verdade, isso não é nenhum perdão, porque tais pecadores não são perdoados gratuitamente, antes, têm de suportar um longo processo de sofrimento.)
Os católicos romanos dividiram o pecado em duas classes: mortal - que somente a morte de Cristo podia expiar; e venial - merecendo apenas os castigos e penitências desta vida. (A Bíblia não estabelece nenhuma distinção; pelo contrário, ela vê cada pecado como "mortal".)
Segundo, apesar dos esforços através de penitências, houve uma consciência de continuada imperfeição e pecado, e isso gerou a idéia da transferência dos méritos das pessoas santíssimas para as mais fracas.
Foi asseverado que essa sobra de méritos que os santos e mártires acumularam ao longo dos anos poderia ser distribuído pelo próprio papa, ou através de seus representantes autorizados. Essas "indulgências", como foram chamadas, poderiam ser adquiridas por dinheiro. A venda delas proporcionava uma fonte de renda para o papa.
Terceiro, junto com esses erros a respeito do mérito humano, surgiu a idéia de que a missa poderia ser, pela intenção do sacerdote, um verdadeiro sacrifício do próprio corpo e sangue de Cristo. Supostamente, o pão e o vinho se tornariam a carne e o sangue de Cristo. Independente do valor do mérito humano, o mérito de repetidas celebrações da morte de Cristo certamente seria inesgotável! Assim o "sacrifício do altar" tornou-se também uma fonte de lucro financeiro na medida em que as multidões providenciaram (e pagaram) méritos em favor das almas dos vivos e dos mortos.
Existem quatro maneiras pelas quais o ensino das Escrituras, e conseqüentemente o dos reformadores, divergiu do ensino católico-romano sobre a justificação:
1) A natureza da justificação. O ensino da igreja católica romana era que, pelo batismo, o pecador verdadeiramente recebia uma nova vida espiritual, capacitando-o a justificar a si mesmo. Os reformadores ensinaram que, de acordo com as Escrituras, a justificação é o total perdão de todos os pecados por uma decisão graciosa da parte de Deus, de forma que o pecador é imediatamente considerado justo.
2) A base para a justificação. A igreja católica romana ensinava que Deus aceita o pecador em virtude da nova vida espiritual recebida pelo batismo. As Escrituras, bem como os reformadores, ensinaram que a justiça de Cristo, imputada ao pecador, é a única base de justificação.
3) O método da justificação. A igreja católica romana ensinava que o pecador é justificado quando a vida espiritual recebida pelo batismo produz ações piedosas, isto é, confissões, participação nos sacramentos da igreja, penitências, etc. As Escrituras, bem como os reformadores, ensinaram que a justificação é somente pela fé em Cristo. Com toda certeza, fé verdadeira há de produzir o "fruto do Espírito" na vida do justificado. A justificação é biblicamente ligada à fé, e não às boas obras que procedem da fé.
4) O efeito da justificação. A igreja católica romana ensinava que a justificação nunca será perfeitamente realizada. Há sempre uma necessidade para praticar mais penitências por causa dos pecados posteriores. Ninguém pode ter a certeza de uma justificação total até a sua chegada nos céus, depois de sofrer as penas do purgatório. As Escrituras, bem como os reformadores, ensinaram que a justificação inclui o gratuito perdão de todo o pecado e garante a vida eterna. Eles falaram do ensino católico-romano como "uma fé incerta, cheia de dúvidas". Isso e tão diferente do ensino protestante sobre a natureza completa, final e irreversível da justificação por um ato gracioso da parte de Deus.
No processo de exaltar a importância do esforço humano na justificação, o ensino da igreja católica romana rebaixa a riqueza e a maravilha da graça de Deus. Os méritos da vida e da morte de Cristo não são mais suficientes - o pecador deve acrescentar os supostos méritos de seus próprios esforços. Não existe apenas um único sacrifício pelo pecado; o sacrifício tem de ser repetido vezes sem fim mediante a missa. Os esforços do pecador para justificar a si mesmo podem ser enriquecidos pelos méritos de outros santos e mártires. O perdão não é uma dádiva imediata de Deus, antes, é algo incerto, dependente da confissão, penitência, e uma absolvição concedida por um sacerdote humano. E o comércio corrupto de vender indulgências (que tanto ofendia Lutero) surgiu de todos estes erros de doutrina, como Lutero perspicuamente discerniu. A verdade bíblica da justificação pela fé, dada gratuitamente por Deus e trazendo a certeza da salvação para o pecador faiscou como corrente elétrica através das dúvidas e corrupções do século dezesseis. Essa nova compreensão conduziu algumas igrejas para uma reforma e uma renovação segundo os padrões dos tempos apostólicos.
Extraído do livro: "Declarado Inocente", de James Buchanan - Editora PES.
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